MB Review: Arakawa Under The Bridge: O que diabos é isso?

Um dos melhores e mais populares mangás da categoria non-sense no Japão acaba de ser lançado no Brasil pela editora Panini em um de seus meses mais conturbados com novos anúncios, novos formatos e novas maneiras de atingir os mais variados leitores.O que temos em Arakawa deixa embasbacado qualquer um de primeira viagem nos mangás: situações inusitadas, traço fluído, personagens dadaístas e uma incrível profundidade no ser filosófico explanado pela autora durante todo o “percurso” da obra.

Nino-san e Kou Ichinomiya, respectivamente

Uma história de submissão

“‘Me mostra o que é o amor?’. Ric é um jovem bem-sucedido, e Nino, uma bela garota sem-teto. Às margens do rio Arakawa, tem início uma estranha relação. Esta é uma obra neossensorialista recheada de metáforas irônicas e humor ácido. Afinal, é uma comédia…? Ou não?”Logo após a leitura dessa curta sinopse, as reações de “o que estou lendo?” são as mais variadas. Desde risadinhas de canto até mãos na cabeç….calma, não é pra tanto.Por mais viajado que possa parecer, a sinopse oficial nos apresenta uma história bem pé no chão: uma sem-teto, um jovem bem sucedido e uma estranha relação conjunta de procurar um no outro o que não se tem sozinho, um amor conjugal.Apesar de, no primeiro volume, essa condição de compartilhamento ser algo não muito explorado, a contrariedade entre a busca do ser e a procura da realidade são fatores indiscutivelmente presentes não só nos demais personagens, como também na premissa que o mangá nos introduz – um início brusco e que quebra os paradigmas sobre como o correto ou moralmente aceito pela sociedade deve ser estritamente seguido.

Uma mão na roda e outra no volante

Enquanto a história do mangá discorre no distrito de Arakawa, um lugar abaixo da ponte que atravessa o rio que leva o mesmo nome, o desenvolver da história e dos personagens ocorre justamente pela evolução inconfundível de cada um, pois você não precisa saber muito de algo ou alguém, além do que é apresentado sobre a Nino-san e o Kou, para entender(ou fazer de conta que entendeu) como funciona o mini-mundo ao qual estão inclusos ou como e porquê todos fazem parte daquela loucura de serem.O mangá apresenta, a todo instante, disfunções entre a realidade presente(ou a famosa “lógica”) e o que realmente há de significado factível ou verídico na sociedade. Por conseguinte,  as ironias, os fatores metalinguísticos e todos os demais fatores que causam comicidade na história são super bem colocados, quebrando o gelo em muitas situações de enfoque filosófico, por exemplo. Essas sacadas, que são, com certeza, muito bem interpretadas pelos ocidentais, fazem deste mangá algo único. A história consegue conduzir a irrealidade, o humor, o desenvolver do roteiro e, pasmem, uma maneira constante de equilibrar tudo isso sem desprender a atenção do leitor.

Minha pegada é ler mangá curto

Logo quando iniciamos a leitura e damos de cara com o índice, já nos deparamos com 23 capítulos em um único volume! O que não é comum nos tankos que estamos acostumados no Brasil, o fato de a autora ligar esses capítulos episódicos causa menos fadiga na leitura e a esplendorosa sensação de que estamos lá, sentindo e vivendo com o Kou, o torna algo bem pessoal.A história envolve ao ponto de te perguntar sobre as ações do personagem(já que é todo narrado em 1ª pessoa) e se você, moralmente criado nessa sociedade regrada, concorda ou não com o que é explorado. Além de ser uma das “sacadas” que a obra possui,  o entendimento sobre como é trabalhado o personagem aumenta, e, com o decorrer da história, os episódios são justificados por uma lógica surreal de como tudo deve funcionar em Arakawa.

Nomes, Honoríficos e Niilismo

Um ponto importante a ser observado em Arakawa são os nomes. Muitos(ou, pelo menos, o que é apresentado) tem um significado importante. O Kou já representa a normalidade, o ser racional(já que é um nome super comum no Japão), mas a Nino-san, auto declarada vinda de Vênus – uma venusiana atípica -, representa algo interessante: Nino-san vem da leitura de 2-3, ou seja, 2(ni) -(no) 3(san), mas o seu nome, ou melhor, apelido, não representa um honorífico(-san), mas sim seu nome e apelido. (devaneio)Será Nino-san uma “japonesa”(pelo uso do honorífico) ou uma representação desta? Eu realmente não saberia dizer, mas Nino-san, além de ser o que obviamente está escrito em sua blusa, pode representar mais do que isso. (/devaneio)Apesar de a obra ser apresentada como uma obra Neosenssorialista(o que, por definição, seria algo que apresente um laboratório de sentidos), o Niilismo de Nietzsche é algo bem discutido. As discussões cotidianas e a existência das coisas por “existirem” causam impacto e traduzem boa parte do que a obra quer passar: inconformidade. Inconformidade esta que altera as definições das quais já possuímos sobre as coisas e de como um cosplayer de Kappa pode ser o prefeito de um distrito embaixo da ponte. Pois é, não adianta procurar o porquê, é porque é.Um ponto muitíssimo importante para se entregar à obra é observar como tudo que o Recruta(Kou ou Ric) debate, faz referência à algo que corrobora para o entendimento completo do mangá. No início, o nosso jovem protagonista é representado com balões de pensamento, e a primeira pessoa com a qual ele inicia um diálogo é a Nino-san. E esse diálogo começa justamente porque, segundo ela, “ele deveria estar com frio na bunda” e que ele poderia encontrar problemas se continuasse a tentar pegar as calças penduradas ao vento. O limitador moral, a princípio, não era o “nunca dever à ninguém” do nosso protagonista, mas que ele, pela simples calça, perdeu a razão e a moral e caiu em pleno limbo racional: o distrito de Arakawa, o lugar em que todos procuram as suas razões de serem.

“Capitão América meme”: Eu saquei a referência

Duas referências são explicadas no glossário: A cena do Nobita em Doraemon e uma cena logo no início que, de cara, remete à Ace Attorney. Mas eu encontrei outras, como por exemplo a hora em que ele está tomando banho no barril e a Nino-san esfrega seu cabelo e, de súbito, o transforma em pontas esquisitas. No momento que vi, pensei: é Bucky. [Pra quem não sabe, Bucky é uma comédia tão non-sense quanto publicada no final dos anos 90 no Japão.]Caçar as brincadeiras com a cultura atual japonesa, as críticas ao modelo de trabalho e ensino e os ácidos trocadilhos com várias outras obras atuais é deveras interessante também.Resumindo: para os Capitães América da internet, caçar referências nesse mangá é algo divertidíssimo. #ficaadica

 Ficha Técnica

Arakawa Under The BridgeAutor(a): Hikaru Nakamura                                                                                                     Gênero: Comédia, Romance, Seinen                                                                                                 

Revista de publicação: Young Gangan(2004 à 2015)    

Volumes: 15(Completo)              

Formato: 13,7 x 20 cm, capa cartonada, papel jornal, 4 páginas coloridas

Preço: R$12,90                                                                                                                                                   Periodicidade: Bimestral

Capa nacionalA edição apresenta algo que, aparentemente, foi de muito zelo pela editora e equipe editorial. Editado por importantíssimas editoras da Panini: Beth Kodama e Camila Cysneiros numa maravilhosa tradução de Drik Sada, conta ainda com um papel jornal diferenciado(mais branco) e que, segundo fontes, demora mais para amarelar com o tempo.Espero que todos possam acompanhar esse maravilhoso trabalho que está sendo introduzido no Brasil e que possamos cada vez mais desfrutar de mangás de tamanha magnificência nos checklists das editoras nos meses que virão.Câmbio. Desligo.

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