MB Review: Go Nagai e o Inferno de Dante

Go Nagai é um dos grandes mestres dos quadrinhos japoneses, e quem já leu algumas de suas obras como Devilman, Maoh Dante (Demon Lord Dante) ou Akuma Kishi (Devil Knight), já deve ter percebido que o autor não só gosta da temática de demônios/inferno, como também demostra um um certo conhecimento sobre o Cristianismo. E há algum tempo atrás, olhando a extensa lista de obras do autor, uma me chamou bastante atenção: Dante Shinkyoku.

O mangá foi publicado pela editora Kodansha entre 1994 e 1995, finalizado com 39 capítulos compilados em 3 volumes encadernados, sendo posteriormente relançado em uma edição com 2 volumes, que continha mais capítulos por edição.

Dante Shinkyoku é adaptação em mangá da famosa obra literária do autor italiano Dante Alighieri, “A Divina Comédia”, um poema épico e teológico que narra a passagem do poeta, já que ele mesmo é o protagonista da obra, pelo inferno, purgatório e paraíso. A obra é tida como uma das obras mais importantes da literatura mundial. Não há uma data exata de quando o trabalho de Dante foi escrito, mas pesquisadores acreditam que ele foi iniciado por volta de 1304, e finalizado em 1321, o mesmo ano da morte de Dante.

Capa do volume 1 da segunda edição do mangáApesar de saber que o mangá adapta a história de forma bastante resumida, é interessante pois aqueles que nunca leram a obra original – como este que vos fala – leem a história e ao fim dela se sentem satisfeitos, pois ficamos com aquela impressão de que os principais pontos da obra original estão ali, e isso é algo muito positivo. Não é fácil pegar uma obra de mais de 700 anos atrás (um pouco menos quando o mangá foi feito), que é essencialmente um poema, o que por si só já vai exigir mais do leitor, e adaptar para os quadrinhos.  
Na empreitada Dante é acompanhado por Virgílio, um poeta romano que realmente existiu e nasceu no ano 70 a.C. Virgílio é responsável por guiar Dante nos planos espirituais, explicando o que exatamente acontece em cada camada do inferno, purgatório e paraíso, respectivamente. Cada círculo do inferno possui um determinado castigo para as almas que ali estão, por exemplo, existe um círculo específico do inferno para pessoas que durante a vida cometeram em excesso o pecado da ira; para pessoas que enganavam outras para obter vantagem; para invejosos, e assim sucessivamente. O trabalho de Dante é descrever como é cada um dos locais que visitou, para que quando voltar ao mundo dos vivos (já que Dante faz todo o trajeto vivo), as pessoas possam ler sua obra e ver o quão horrível é o inferno, como realmente funciona o purgatório e como é o paraíso. Um detalhe interessante, é que durante o caminho dos três planos espirituais, Dante encontra vários conhecidos, desde outros poetas, generais de guerra, imperadores e até santos, e cada um explica a ele o motivo de estar ali. E durante a jornada, muitas vezes é auxiliado pelo espírito de sua amada, e já falecida, Beatrice.
A obra original possui um grande teor Cristão, o que certamente é mantido na adaptação de Go Nagai, mesmo assim, o autor mescla alguns elementos das mitologias grega e romana na obra. Um bom exemplo seria quando Dante e Virgílio chegam ao inferno e precisam cruzar o rio que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos, onde são guiados pelo próprio Caronte, que na Mitologia Grega é o barqueiro de Hades, que transporta em um barco a alma daqueles que foram enviados ao inferno para o caminho do sofrimento. 

O Minotauro é mais uma criatura mitológica que aparece na obra
A arte de Go Nagai na publicação também é uma coisa que merece destaque. Apesar de eu gostar muito do traço dele, algumas pessoas não gostam pois o consideram muito “caricato” ou “datado”. Porém em Dante Shinkyoku, o mangaká faz um traço mais realista, com expressões menos exageradas e caricatas e mais carregado com nanquim e com mais linhas de sombreamento, tudo para manter o traço condizente com a atmosfera da obra original. A quadrinização também está excelente e muitas vezes parei um pouco a leitura para observar todo o conjunto da arte. Muito dos quadros e painéis do mangá também são reproduções das belíssimas artes de Gustave Doré (1832-1883), que fez diversas ilustrações do livro “A Divina Comédia”. E por mais que sejam reproduções, a arte de Go Nagai nessas páginas é surpreendente. 

Ilustração superior por Gustave Doré. Ilustração inferior por Go Nagai

Apesar de citar algumas vezes durante o texto que o mangá retrata o inferno, o purgatório e o paraíso – o que é verdade -, devo ressaltar que grande parte da história se passa no inferno, então naturalmente é nessa área que ela é melhor desenvolvida. A passagem pelo purgatório é breve, mas ainda mostra algumas coisas interessantes, já a parte do paraíso é extremamente apressada, o que me desagradou um pouco. Porém, um amigo que já leu a obra original me disse que mesmo lá a passagem pelo céu é bem breve, uma pena, pois gostaria de ver mais do paraíso ilustrado pelo Go Nagai, pois a forma que a trabalha no mangá é realmente muito boa.
Recomendo Dante Shinkyoku não apenas para aqueles que querem conhecer a clássica obra de Dante de forma mais sucinta ou para aqueles que já leram a obra original e desejam ver como é a adaptação em mangá. Mas para todos que querem ler uma obra boa e curta. Pois além de ler um bom mangá, possivelmente ainda irão adquirir certo conhecimento sobre uma das maiores obras da literatura mundial. São poucos volumes, e a obra está disponível em português na internet, infelizmente, não de forma oficial. Mas convenhamos que seria muito legal ver esse mangá vindo pro Brasil pela NewPOP, no selo Prime, por exemplo. Quem sabe, né? Fica aí a dica para a editora.

Espero que tenham gostado do texto, obrigado por lerem até aqui e até a próxima!

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