MB Animações: Steven Universe – uma lição de representatividade, por Juliana Destro.
Representatividade sempre esteve presente em Steven Universe, desde os primeiros segundos do primeiro episódio. Logo de cara você já é brindado com diferentes corpos, diferentes etnias, personalidades e vivências que fogem do estereótipo maniqueísta que estamos acostumados a ver em desenhos infantis de heróis. Quanto mais episódios você vê, mais evidente fica a diversidade apresentada no show. Nada disso é por acaso e nada disso foi fácil de conseguir.
A criadora do show, Rebecca Sugar, é uma mulher não binária e bissexual. É a primeira mulher a ter um show próprio na gigante Cartoon Network, que existe desde 1992 (Steven Universe estreou em 2013). Enquanto outros shows infantis mostravam de forma velada algum personagem LGBT+ (e geralmente como vilão, como mostrou o livro The Celluloid Closet, de 1981, sem tradução no Brasil), Rebecca lutou para ter um programa que mostrasse às crianças (a todas as crianças) que elas pertencem ao mundo, que são bem vindas e dignas de serem quem são. A carência que temos de representatividade positiva na mídia é tão grande que Steven Universe atraiu também uma quantidade enorme de adultos.
“Quando começamos a fazer isso em 2011, era impossível e foi se tornando possível ao longo de vários anos de trabalho muito duro”, Rebecca explica numa entrevista ao Entertainment Weekly em 2018 [1]. “Precisamos fazer com que as crianças saibam que elas pertencem a este mundo. Você não pode esperar para dizer a elas só depois que elas crescerem, ou o dano estará feito. Você tem que dizer a elas enquanto ainda são crianças que elas merecem amor, que merecem apoio, e que as pessoas ficarão animadas para ouvir sua história. Quando você não mostra nenhuma história infantil sobre personagens LGBTQIA e elas crescem, não vão contar suas próprias histórias porque vão pensar que são inadequadas, e terão um bom motivo para pensar isso, já que foi o que ouviram durante toda a sua infância.”
Desde os primeiros dias, Steven Universe se destacou por desafiar as expectativas sobre o que constitui um “desenho de meninos” ou um “desenho de meninas”: o protagonista admira e treina duro para fazer parte de um time de mulheres guerreiras mágicas, a Gemas. Mas foi só no final da 1ª temporada, que foi ao ar em 2015, que a extensão da representação LGBT+ do programa se tornou realmente visível.
Cinco vezes indicada ao Emmy, Steven Universe tornou-se conhecida por se envolver com temáticas nem sempre abordadas na televisão infantil: trauma, luto, relacionamentos tóxicos, consentimento, empatia e tantos outros temas, sempre com uma leveza que tocou não só as crianças, mas adolescentes e adultos também (vide os milhares de fóruns, grupos, blogs, tumblr e mais, que dissecaram e analisaram cada detalhezinho dos episódios da série e mesclaram a análise com seus próprios traumas e aprendizado). A abordagem aos conflitos também não é usual: alguns problemas são resolvidos com violência e sequências de lutas espetaculares, outros são resolvidos com uma boa conversa.
O amadurecimento pelo qual Steven passa é apenas o começo para explicar porque SU é um show tão bom. Os personagens LGBT+ expressam amor, mas seus relacionamentos não os definem. Eles têm esperanças e sonhos além dos relacionamentos, e se tornam lutadores duros e mentores hilários. Cantam e dançam enquanto se preparam para uma guerra que se aproxima.
Uma das mensagens mais poderosas que a série passa é sobre gênero. O personagem principal do show, Steven, foge abertamente dos estereótipos de gênero. Ele não tem vergonha de ser feminino e emotivo. Ele chora quando é necessário e ninguém o castiga por isso. Quando sua amiga Sadie não pode se apresentar na frente da cidade, ele imediatamente veste a fantasia que ela iria usar, uma roupa claramente feminina, com salto alto, saia e maquiagem, sobe no palco e arrasa! Ele não tem vergonha do feminino, de ser visto como feminino. E como poderia ter? Tendo mulheres tão incríveis e corajosas ao seu redor, sendo sua inspiração. A melhor parte é que todos aceitam e não há um único comentário depreciativo.
O show decididamente abriu novos caminhos para a representação LGBT+ em desenhos animados infantis. O diretor de conteúdo do Cartoon Network, Rob Sorcher, afirmou que Steven Universe é o “padrão ouro” para o estúdio. “Esse é o tipo de conteúdo que queremos fazer”, disse Sorcher. “Queremos trabalhar todos os dias em coisas que realmente importam na vida de um jovem”. Ele acrescentou: “O verdadeiro legado deste programa é que incluiu um amplo espectro de temas que nunca foram realmente abordados de forma realista na televisão infantil [antes]”.
O show não apenas inclui uma gama de personagens reconhecidamente queer e não binários, mas também apresentou um pedido de casamento entre pessoas do mesmo sexo (algo que foi delicadamente e arduamente construído pela criadora desde a primeira temporada, quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo nem era reconhecido nos Estados Unidos ainda). Esta narrativa inclusiva ressoou com os fãs e é uma das razões pelas quais SU foi aclamado pelos críticos. O show ganhou um prêmio GLAAD Media e um Peabody.
Então, se você precisa de algum escapismo neste mundo preconceituoso, dê uma chance a Steven Universe. É uma série onde todos são aceitos pelo que são e celebrados por isso. As pessoas merecem ver um show em que o amor e a compreensão ganham no final. Especialmente agora.
Autora: Juliana Destro
[1] https://ew.com/tv/2018/08/13/steven-universe-rebecca-sugar-lgbtq-cartoons/