MB Animações: Tokyo Godfathers – Um milagre divino

Satoshi Kon foi um exímio produtor e roteirista, dono de diversas obras aclamadas pela crítica como Perfect Blue, Paprika, entre outros. O artista conseguiu com êxito trabalhar com a ilusão, duplicidade e a linha tênue do irreal e desconfortante, o que garantiu a ele diversos prêmios e menções, porém, dentro de tudo isso, uma obra em si consegue se destacar, não só por todo sua complexidade narrativa, mas pela sua capacidade em trabalhar com o simples e, mesmo assim, entregar algo profundo, que transita entre o divertido, tocante e reflexivo. Esse é o filme animado “Tokyo Godfathers”, ou melhor, Os Padrinhos de Tóquio e, aproveitando o clima natalino, é sobre ele que vamos falar hoje.

Lançado em 2003, a animação produzida por Satoshi Kon conta a história do alcoólatra Gin, a adolescente que fugiu de casa Miyuk e a ex-dragqueen Hana, que formam um trio que vive nas ruas de Tóquio, fingindo ser uma família. Na véspera de Natal, eles encontram um bebê abandonado em uma lata de lixo. Com apenas algumas pistas, os três andam pelas ruas da cidade tentando encontrar os pais da criança.

– A Narrativa

A obra, de longe, é o trabalho que mais antagoniza com as outras narrativas do produtor. Ela não se baseia em uma profunda análise da psiquê humana, ou de situações de estresse, e nem mesmo sobre os riscos de uma vida permeada sobre um entretenimento quebrado japonês, e é justamente por isso que ela consegue trabalhar com a temática genérica de forma surpreendente.

A trama se inspira, de forma disfuncional, na história bíblica dos Três Reis Magos, além de  Uma Canção de Natal, de Charles Dickens;  Aqui em Tokyo Godfathers, seguimos o que é, em tese, um projeto de “família” de sem tetos que acabam por encontrar uma bebê em um lixão, e toda a história segue em prol de decisões corretas e “aventuras” que Hana, Gin e Myuk irão passar até encontrar os país dessa bebê, ou como foi apelidada por Hana, Kyoko.

Algo interessante é a forma como esse tipo de narrativa simples consegue obter uma camada mais profunda,  em vez de seguir um padrão americano e ocidentalizado de conto natalino, aqui é demonstrado a aventura da “escória” da sociedade, excluídos, sem nada, e muitas vezes vistos como falhas. A obra serve como um exercício de imaginação do sentido natalino dado àqueles que são considerados o oposto do sucesso ou do normal.

Então, além de um conto de natal, ainda é trabalhado de forma tênue a relação humana com esse tipo de pessoa, e o quão difícil e complicado é para se viver dessa forma. Gin, um alcoólatra que perdeu tudo em apostas e bebidas, Hana, uma Drag que trabalhava em casas noturnas, e Myuk, uma garota deturpada emocionalmente, todos esses personagens agora são colocados em uma nova perspectiva, a de enfrentar o amor e aprender com ele. A inserção da criança consegue servir de gatilho para o debate de temas como identidade de gênero, alcoolismo e vícios.

– Vale a pena?

Por mais que o filme toque em todos os temas que eu falei acima, ele não deixa de ser e abranger uma divertida comédia. Aqui, a obra se baseia na reformulação de como se conta uma história e o que de fato é preciso para torná-la bela. Ela consegue partir para a magia natalina e mesmo assim passar uma mensagem séria sobre o padrão social atual.

A  animação semi-realística que é bem bonita, diga-se de passagem,  dá um novo ar, como se fosse uma fábula urbana. Castelos mágicos e reinos são trocados por um barraquinho, lixos e sujeira em contraste aos arranha-céus e a modernidade japonesa. Aqui, Satoshi Kon dá a sua originalidade ao que é o natal e seu significado, que muitas vezes pode ser divertido, romântico, mas tragicamente cômico. Com certeza, vale a pena.

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