MB Review: Declínio de um Homem

O livro “Declínio de um Homem” de Osamu Dazai é um clássico da literatura japonesa que acompanha a vida e trajetória de Yozo Ohba desde sua infância. Baseada em fatos reais, a obra conduz o leitor através da mente perturbada do protagonista e dos acontecimentos que se desdobram em decorrência de sua personalidade instável ao mesmo tempo em que tece críticas ao modelo de sociedade que preza mais pela aparência do que pela essência.

Adaptado em mangá pelo igualmente genial e habilidoso Junji Ito e publicado pela @editorajbc, “Declínio de um homem” ganha tons ainda mais sombrios graças ao estilo único e característico do artista. Ito não poupa o leitor ao explorar temas extremamente sensíveis em detalhes gráficos viscerais e explícitos tão vívida e minuciosamente ilustrados que induzem um desconforto proposital e inevitável.

Ainda na infância, Ohba já apresenta uma certa disforia e adota uma personalidade falsa, que ele julga ser ideal para disfarçar toda a angústia e negatividade que ele carrega. Mesmo vivendo em um ambiente de aparente harmonia e cercado de privilégios advindos da posição social elevada de sua família, o ainda jovem Ohba sente que há algo de muito errado consigo mesmo. Ele busca chamar atenção  de maneiras questionáveis ou através de travessuras e busca constantemente agradar a todos, mesmo que por razões duvidosas. Sua incapacidade de dizer não, aliada a sua aparência e posição social, nos leva a conhecer o pior lado das pessoas, que tiram proveito de Ohba de maneiras egoístas e cruéis. E tais acontecimentos, aliados à sua personalidade distorcida, talvez tenham sido cruciais para o homem que Ohba viria a se tornar.

Yozo Ohba é incapaz de formar vínculos verdadeiros de amizade e afeto, porém ao mesmo tempo em que desconsidera as pessoas como indivíduos, ele se esforça para não se destacar de forma negativa e teme ter seu “segredo” exposto. Mas tudo isso se deve apenas a sua obsessão em manter a imagem simplória que construiu de si mesmo. Ohba toma partido em causas políticas sem de fato compartilhar da ideologia e suas amizades não passam de “parceiros de copo”.

Sua trajetória é marcada por tragédias que atingem também as pessoas que se associam a ele. Yozo Ohba tem o dom de desgraçar a própria vida e de quem mais estiver por perto. Ele mente, manipula e cultiva todo tipo de mau hábito que invariavelmente geram consequências desastrosas. 

Bonito, herdeiro e mais falso que uma nota de 3 reais, ele é um imã de mulher, atraindo os mais variados tipos que se encantam pela sua aparência e docilidade. Conforme suas ações geram consequências e a decadência avança, ele busca nas mulheres uma companhia não para conforto, mas sim para partilhar de sua miséria, se aproximando sempre de mulheres vulneráveis e que estão à margem da sociedade devido a diferentes circunstâncias. Não preciso nem dizer que ele ferra com todas elas de diversas maneiras, em uma alegoria realista e perversa onde as mulheres são reduzidas a instrumentos de prazer ou conveniência. 

Yozo Ohba vive em um estado de ansiedade constante que interfere diretamente na sua capacidade de ser um adulto minimamente funcional e conviver em sociedade, e isso é acentuado pelo constante uso de álcool e também de outras substâncias. Propenso ao vício e com a saúde física e mental cada vez mais comprometida, Ohba declina cada vez mais, cometendo delitos e se envolvendo em situações desastrosas, inclusive atentando contra a própria vida enquanto compromete seriamente a de terceiros. Durante uma dessas tentativas, Ohba sofre alucinações terríveis onde expele “os 10 caroços de infelicidade” dando andamento a uma das sequências mais impressionantes da história que expõe todo o tormento profundamente cravado na mente do protagonista.

Debilitado e incapaz de levar uma vida normal e digna, Yozo Ohba é internado em um sanatório. Tendo que lidar com a adição da abstinência a seus outros transtornos, Ohba encara seus demônios e tem a oportunidade de se curar, e pela primeira vez na vida faz o que parece ser uma amizade genuína. No entanto, será ele capaz de se reerguer ou os males que já parecem enraizados em sua alma irão arrastá-lo de volta para o abismo?

Uma leitura impactante que acompanha os desígnios escabrosos da psique de um homem atormentado, levantando questionamentos e nos fazendo refletir sobre a condição humana perante a sociedade e sobre os infortúnios que escolhas e pessoas erradas podem fazer recair sobre nós.

“Declínio de um homem” proporciona uma experiência intensa, enriquecida pelo alto nível desta edição luxuosa com qualidade a altura do que os dois grandes autores merecem, embora eu reconheça a dificuldade em folhear as mais de 600 páginas encadernadas em capa dura. No entanto tais detalhes elevam o custo final para o consumidor e partindo desta perspectiva, a publicação de uma edição regular mais acessível talvez devesse ser considerada. 

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