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MB Review: O Partido dos Panteras Negras

“Temos que encarar o fato de que algumas pessoas dizem que se combate o fogo melhor com o próprio fogo, mas nós dizemos que se combate melhor o fogo com água. Dizemos que não se combate racismo com racismo. Combateremos o racismo com solidariedade. Dizemos que não se combate o capitalismo com nenhum capitalismo negro; o capitalismo se combate com o socialismo.”

    Fred Hampton (1)

Um espectro ronda o racismo estadunidense – o espectro dos Panteras Negras. Todas as potências do Tio Sam aliaram-se numa sagrada perseguição a esse espectro e cabe ao leitor tomar uma posição.

É inegável que um dos maiores problemas das Américas é a existência de um histórico e práticas de racismo institucionalizados e a negação desses. Se os EUA mostram-se cada vez menos como a terra das liberdades para os grupos minoritários, o Brasil não fica muito atrás com o desmascaramento de uma suposta democracia racial que nunca existiu.

Esse caldeirão em algum momento entraria em ebulição, cobrando explicações da sociedade e o posicionamento de indivíduos. A Conrad Editora não demorou em mostrar qual seu lado nessa briga ao publicar a obra O Partido dos Panteras Negras, com roteiro de David F. Walker (Shaft: A Complicated Man, Luke Cage, Occupy Avengers, Power Man and Ira deon Fist, Nighthawk, Fury, e Deadpool) e arte de Marcus Kwame Anderson (Snow Daze, Cash and Carrie, EastRaven entre outros).

A principal contribuição da HQ é apresentar ao público o que foi o Partido dos Panteras Negras para Autodefesa. Retirando a aura de violência pintada por seus detratores e mostrar parte de seus programas sociais e benefícios gerados por estes.

Apresenta as raízes do racismo nos EUA, o nascimento dos movimentos por direitos civis, suas principais figuras, como Malcom X, Martin Luther King, Rosa Parks, e como os Panteras Negras nascem como um grupo, não de negação aos direitos civis, mas com oposição ao pacifismo da época. Ser pacifico não era o suficiente quando o outro lado estava atacando. A autodefesa era necessária para que continuassem lutando.

Resgata as guardas negras armadas e os grupos de autodefesa até o surgimento dos Panteras. Traça os primeiros passos de Bobby Seale e Huey P. Newton no início grupo, apresenta o importante “Programa de dez Pontos: O que faremos/No que acreditamos”, com suas reivindicações, suas influências intelectuais e como foram arregimentados os primeiros membros no final dos anos de 1960.

Seu ponto forte é apresentar ao público os programas sociais criados pelos Panteras, elementos tão pouco explorados pela mídia hegemônica. Nos lembram de ações como o controle de tráfego em ruas próximas a escolas, proteção de membros da comunidade, como Betty Shabazz e a investigação de assassinatos de pessoas negras sem uma solução plausível por uma polícia de um estado ainda racista, entre outros. Realizavam as atividades que o poder público se recusava a cumprir corretamente. Encontramos um exemplo concreto do racismo estrutural exercido por um Estado hegemonicamente branco.

Destaque o programa de café da manhã para crianças em idade escolar, a construção de escolas para a formação política e o ensino de história a partir de uma perspectiva negra e o boletim, futuro jornal, que possibilitou a união entre os mais diversos capítulos do grupo e o sustento de membros sem renda.

Podemos dizer que a obra desenvolve as perspectivas histórica, ideológica, política, de comunicação, a estrutura organizacional e o histórico pessoal de parte dos membros que compunham o grupo. Conta ainda as rivalidade internas e como essas foram alimentadas por agentes do FBI e um governo que via o fim da segregação racial como ponto negativo para a manutenção do status quo da época.

Cada membro apresentado tem uma breve biografia traçada, apontando sua origem e as motivações para o ingresso no grupo. Assim, relembra momentos importantes como o julgamento d’Os 7 de Chicago, quando Bobby Seale é amarrado no tribunal, e a prisão arbitrária de Angela Davis, perseguida pelo governador da Califórnia, Ronald Reagan, e o então presidente Richard Nixon.

É uma obra de fôlego, com textos longos e carregada de informações. Se é um pouco pesada para quem está acostumada(o) à quadrinhos com poucas falas, ao mesmo tempo é importante como introdução  para quem nada conhece sobre os Panteras Negras.

Em um mundo onde o racismo e o supremacismo branco volta a dar suas caras, conhecer grupos de resistência é de suma importância. A obra mostra a potência dos quadrinhos para um debate das pautas identitárias de forma interseccional, mesmo que a questão de classe seja menos explorada que o necessário. 

  1. Discurso de Fred Hampton feito na igreja de Olivet, em 1969. Reproduzido em parte na primeira página da HQ e no todo pelo site da Jacobin Brasil, de onde foi retirado.

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