MB Review: Minha Experiência Lésbica com a Solidão.
Em Minha Experiência Lésbica com a Solidão, acompanhamos Kabi Nagata em suas descobertas de auto-conhecimento, tanto com relação à seus pais e a sua não tão bem vista profissão quanto em relação à sua própria sexualidade e saúde mental.
Sinopse: Durante dez anos desde que se formou no colégio, a autora Kabi Nagata viveu dias de sofrimento, sentindo-se sufocada. E a solução a que ela chegou para se libertar foi: ser abraçada por uma garota de programa lésbica…! Conheça a história real de Nagata, onde ela mostra o seu processo extremo de autorreflexão até conseguir se encontrar, contada sem censuras!
Quando pensei em comprar este mangá, também pensei que ele falaria única e exclusivamente sobre sexualidade. Alguma coisa parecida com uma mulher confusa, talvez apaixonada por sua melhor amiga, no melhor estilo clichê romântico, que decide sair com uma garota de programa para tirar aquela pulga de trás da orelha; e daí você já tira que eu não tenho o hábito de ler sinopses!
As primeiras páginas de Minha Experiência Lésbica com a Solidão me deixaram triste. Foi horrível ver os problemas com alimentação e os problemas psicológicos da Nagata refletidos em páginas de papel preto e branco e foi pior ainda reconhecer que eles se pareciam com os meus. Então eu fechei o mangá, coloquei na estante e ele ficou lá, por dois ou três meses, até a semana passada, quando me perguntaram se eu conhecia algum título LGBTQIA+ que poderia ser resenhado com brevidade. Eu poderia ter pulado o primeiro capítulo, mas eu gosto de partir do princípio que algumas coisas precisam ser enfrentadas mesmo quando você tem medo do que estar por vir.
Antes de falar de fato sobre o que é este mangá, eu gostaria de fazer alguns adendos sobre o Japão:
1) A prostituição é ilegal (leia mais aqui) e, pra evitar problemas com a polícia, a maioria das casas de prostituição se passam por salões de beleza ou casas de massagem e banho. A proibição, obviamente, não evita que a prostituição exista, uma vez que ela sempre esteve presente na história do país (vide as mulheres de conforto) e também não evita que os “hotéis de amor” existam. Inclusive, existe um termo chamado “Mizu Shoubai”, comércio da água, que designa o entretenimento noturno japonês que vai desde os bares e as casas de festa até a indústria do sexo (leia mais aqui, em inglês). Apesar disso tudo, a lei japonesa diz que ato sexual “real” é feito entre homens e mulheres, e que o ato feito entre pessoas do mesmo sexo é “simulação”, o que faz com que a prostituição homossexual não seja diretamente proibida (leia mais aqui, em inglês).
2) A homossexualidade no Japão é legal desde mil oitocentos e bolinha, mas ainda assim não existe uma lei contra homofobia. Em 2015, o distrito de Shibuya passou a reconhecer legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas isso é só lá em Shibuya mesmo. Com relação aos outros distritos, neste ano, 2021, começou-se a discutir este assunto (leia mais aqui). Inclusive, tem um episódio muito lindinho de Queer Eye, da Netflix, que se passa no Japão e mostra o momento em que o moço apresenta o namorado pra mãe dele.Agora sim, vamos falar da vida da Nagata!
Em Minha Experiência Lésbica com a Solidão ela faz todo um panorama da vida dela. Não é uma coisa linear, mas a gente consegue captar em que momento aconteceu cada coisa. A gente começa com o encontro dela com a prostituta, passa por todos os empregos mal sucedidos que ela tinha pra agradar os pais, chega ao ponto que ela decide que vai ser mangaká e chega ao cerne da questão: porque é tão importante assim agradar os pais e o que que isso tem haver com a prostituta lésbica?
Eu amo o fato de que a Kabi, além de falar o que acontece com ela, também vai pontuando, não só os acontecimentos, mas também as leituras que fizeram ela chegar até aquela conclusão e como isso impactou em sua vida. É uma pena que essas leituras estejam disponíveis apenas em japonês (até onde eu sei!), mas quem sabe um dia, não é mesmo?!
Toda essa questão de “eu preciso fazer o que meus pais querem que eu faça” ou “preciso fazer com que meus pais estejam satisfeitos com as minhas escolhas” não é uma coisa isolada. Acho, inclusive, que todo ser humano já passou por isso. O problema é que isso pode anular os nossos sentimentos e as nossas vontades, como foi o que aconteceu com Kabi Nagata. E esse pode ser um sentimento ainda mais pesado no caso de pessoas da Comunidade LGBTQIA+, pois imagina só: o que meus pais vão pensar se eles souberem que eu gosto de alguém do mesmo sexo???? E se eles descobrirem que, na verdade, eu me identifico com outro gênero??? Como que eu vou explicar que a forma como eu me sinto não tem haver com a criação que eles me deram e que, principalmente, as expectativas que eles tinham sobre mim, era toda deles e eu não tenho nada haver com isso???? E aí que o bicho pega, porque quando esses questionamentos chegam, a reação de uma boa parte das pessoas envolvidas é: eu não posso contar e eles não podem saber, porque senão eu vou ser a vergonha da família, entre outras preocupações.
Esse mangá me deixou muito triste de início? Deixou! Mas ele também me trouxe várias reflexões importantes e me fez perceber que tudo é um processo. No momento, os meus processos estão indo muito bem, obrigada, mas mesmo que não estivessem, esse mangá também teria me mostrado que é preciso dar o primeiro passo e ele pode ser resumido em: é preciso aceitar que nós somos o que somos, mas também é preciso aceitar quem nós queremos ser. Em todos os sentidos.
Minha Experiência Lésbica com a Solidão é um ensaio reflexivo sobre como a autora se libertou de suas próprias amarras, mas também é uma história de superação que pode te fazer chorar ou dar risinhos. Se você é daquelas pessoas que gostam de saber como as outras funcionam, esse mangá é pra você, e se você não for, ele também é pra você, porque essa é uma leitura que todo mundo deveria fazer em algum momento da vida!
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