Review: Mignon
Mignon definitivamente foi uma estreia inesperada – em todos os sentidos. Quem acompanha os trabalhos de Bboungbbangkkyu, como Hyperventilation (2017) e Unbelievable Space Love (2018), provavelmente ouviu falar de Mignon, obra que originalmente estava programada para ser lançada em 2021. Quando o fandom começou a acreditar que a animação seria mais uma lenda urbana para os fujins, Mignon foi inesperadamente lançado oficialmente no Vimeo, e amplamente comentado no twitter desde o dia de lançamento, e com muita razão: a produção coleciona inúmeros pontos positivos. Para a tristeza dos fãs na América Latina, a obra não possui legendas em português ou espanhol, mas caso você saiba inglês: esse é seu momento de brilhar.
A trama original narra a vida turbulenta e marginalizada de Mignon, um jovem que é lutador em uma arena ilegal e está à mercê de seu treinador agressivo e explorador, que domina toda a sua vida dentro e fora das arenas. Apesar de todo o contexto transgressor e tirano que o cerca, Mignon leva a vida sem perder suas emoções de vista, as abraçando mesmo nos momentos em que precisa tomar decisões difíceis. E todo o seu afeto é direcionado para Oh Young-One, o médico que atende os lutadores da arena. Quando Mignon acidentalmente descobre a verdadeira identidade do doutor que tanto ama, logo decide que os sentimentos acumulados, que ele pensou que jamais seriam ditos, precisavam ser expressos.
Mignon está sendo uma surpresa muito positiva, não necessariamente por ser “uma animação BL”, mas por ser uma história que quebrou muitos dos contratempos que podemos detectar em algumas animações do gênero. Nós temos um mercado relativamente pequeno de produção dentro da demografia, e particularmente é notável o esforço de construir um projeto audiovisual num cenário que possui inúmeras limitações de orçamento ou direção, e é consumido por um nicho muito específico.
Entretanto, é interessante pensarmos que muitas animações do segmento tiveram problemas específicos e bastante perceptíveis, sejam pelos aspectos técnicos ou por enredos exageradamente apressados que não aproveitam plenamente a duração da série. Cenas desconfortáveis sem a sensibilidade de entender o momento de incluir um elemento ou excluí-lo, o questionável uso de diálogos e expressões, excesso de cenas que não agregam muito ao enredo, e assim por diante.
Todos esses pontos parecem ser superados com sucesso em Mignon, onde a narrativa segue uma linha do tempo bem definida e assertiva. Nenhuma cena parece desajustada ou desnecessária, e a história consegue ser interessante e com um desenvolvimento coerente, mas ainda assim fora do comum. Muitos dos elementos presentes não poderiam ser facilmente deduzidos de antemão, já que a experiência real de acompanhar a animação ultrapassa a expectativa que foi criada com pequenos teasers. É quase uma sinfonia harmônica entre uma arte belíssima, diálogos encantadores com uma boa estrutura, e uma trilha sonora onde uma das muitas influências é o jazz, e que honestamente não tem nenhum ponto a melhorar enquanto se interconecta agradavelmente com os cenários, reafirmando uma experiência completa ao assistirmos cada um dos episódios.
Mais uma das decisões corretas foi a escolha dos atores de voz, que entregaram entonações esplêndidas e versáteis ao longo da construção da ambientação. O conjunto final da obra gera um envolvimento com o telespectador de forma inspiradora, ampliando um desejo de imersão – o que provavelmente era uma das maiores intenções da animação, e foi bem sucedida.
A obra ainda utiliza bem os artifícios de luz e dos tons, tendo uma cena em específico, muito relevante para a conclusão da história, com uma explosão de cores vivas e jogos de luz estratégicos, uma combinação marcante que introduziu um novo ciclo entre os protagonistas. O público provavelmente notará o impacto significativo do episódio mencionado, já que ele consegue se destacar sem perder o equilíbrio entre as partes.
Considerando a curta duração do trabalho final, totalizando 1 hora e 7 minutos, a obra teve um aproveitamento brilhante do tempo disponível, entretanto, apesar da animação evidentemente contar com mais pontos positivos do que negativos, ainda existe espaço para melhoria!
Houve o reaproveitamento de alguns cortes, além de, em determinados momentos, um jogo de ângulo visual característico para facilitar a produção da animação, que resultava em nem sempre entregar a experiência completa de uma cena, como em uma luta, por exemplo; isso pode ser percebido por cenas que enfatizam apenas uma parte do corpo. A fluidez também poderia ter ajustes e alguns poucos painéis nos relembravam tipos de mangás específicos que trabalhavam com escolhas controversas de proporções corporais.
Sobre os personagens principais, Mignon é dotado de uma personalidade que geralmente é abraçada pelo fandom, sendo o garoto que não mediria esforços pelo bem do seu amado, e provavelmente ficaria ao seu lado mesmo que fosse constantemente rejeitado, priorizando o desejo Oh Young-One. Seu jeito reforça toda a sua jovialidade, mas ele não chega a ser ingênuo ou alguém que não consegue tomar uma ação, por mais que inicialmente pareça ser esse o caso.
Oh Young-One é o personagem que aparenta, à primeira vista, ser frio e indiferente, mas apresenta um vão entre o que é visto pelos olhos de terceiros e como realmente se sente, sendo apenas alguém cauteloso, mas também extremamente altruísta. Com todas as características destoantes entre os protagonistas, os dois combinam no fator passional, mas cada um retratado de uma maneira própria. A combinação entre os dois é um banquete para uma relação profunda, que os absorve para um mundo particular.
A combinação não é inovadora se o parâmetro for a leitura, mas segue sua própria dinâmica em uma animação original, e não restringe os personagens a apenas essas características principais, eles ainda podem ser devidamente envolventes e com aspectos de singularidade, principalmente em uma obra com expressões tão significativas.
Diferente do que alguns podem pensar, e de um modo brilhante, a obra pode ser acompanhada por um público menor de idade até o episódio 11, tendo a faixa etária mínima de 15 anos, enquanto o episódio 12, direcionado ao público adulto, incorpora uma sensação de história “extra”, como vemos em algumas webcomics, e um extra plenamente sensual, romântico, com ângulos planejados para que a censura não seja um empecilho ou até mesmo passe despercebida, criando uma ambientação que transmite devidamente a proposta de um episódio maduro extremamente provocante.
É uma escolha muito inteligente dentro do formato escolhido, já que as pessoas podem acompanhar até o penúltimo episódio sem a perda das informações centrais, e quem não se sentir confortável com cenas ero ou for de um público que não deve consumir o episódio final, pode ter uma experiência completa em termos de enredo e conclusão.
Apesar de reforçar que público livre pode assistir até o episódio 11, se você for adulto e estiver se questionando se as cenas finais ficaram interessantes ou não: os elementos das cenas adultas foram minuciosamente trabalhados com um roteiro esplêndido, posições de imagem lindas e dinâmicas que deixam cada censura pouco evidente, e com uma mistura contemporânea entre paixão e sensualidade, o que gerou diversos comentários positivos em redes sociais, com alguns fãs afirmando que o episódio final de Mignon virou um “favorito no ranking de cenas adultas em BLs”.
E é com todo esse histórico em mente, e não com uma comparação desproporcional entre Mignon e produções de demografias populares com um poder comercial absurdo, que Mignon não só se sobressai como animação dentro do universo do BL como também pode marcar a mudança no mercado sul coreano. Uma cena que tem crescido absurdamente a cada ano na globalização de seus conteúdos, mas que costumava ser tímido na produção de animações com essa proposta, e algumas delas compartilhando, inclusive, compartilhando a mesma autoria de Bboungbbangkkyu. Mignon pode não ser tecnicamente perfeito, mas reafirma a evolução de Bboungbbangkkyu, ao mesmo tempo em que ajuda a subverter o que as pessoas supõem do BL.
O BL do momento tem todos os motivos para ser o maioral!
*Tópicos extras
Curiosidades sobre o mercado de conteúdo sul coreano (com dados)
A exportação de conteúdo da Coreia do Sul para o mundo mudou drasticamente em termos de valores, passando de US$5.27 bilhões em 2014 para US$11.92 bilhões em 2020 de acordo com os relatórios da empresa Statista (2023), superando inclusive a receita de alguns dos principais produtos exportados, e tendo previsões de um aumento acima da média em 2023! Nós definitivamente devemos ficar atentos com prováveis novos universos de conteúdo e suas inovações, como também podemos esperar um posicionamento firme e assertivo do país na indústria do entretenimento. Será que é correto deduzir que veremos mais animações incríveis de BL em breve?
Tópico que pode conter spoilers:
O que seria interessante introduzir em Mignon se a obra fosse mais longa?
O contexto geral dos personagens deixou uma brecha enorme que poderia ser explorada, assim como as regras e universo dos vampiros. O Master Woo é um personagem particularmente enigmático e que gera curiosidade, e seria interessante entender seu papel na sociedade dos vampiros. O casal protagonista não teve uma abordagem ampla sobre questões do passado e vivências, mas principalmente Oh Young-One, que continua sendo uma incógnita em muitos aspectos, mas tem o potencial de ser um personagem complexo e relacionável com o público. O Mignon prende muito a atenção, é o centro dos holofotes, seria divertido poder ver outros lados da sua personalidade que não tiveram a oportunidade de aparecer na trama. Mas tudo isso também pode ser abordado caso a série dê origem a outros formatos, como um webtoon.
Enquanto suspiramos por Mignon, veja um dos teasers oficiais da obra: