Sasaki to Miyano banido em bibliotecas escolares em Brevard
O conselho escolar do Condado de Brevard, na Flórida, entidade responsável por decisões diversas no âmbito da educação nas escolas públicas da região, tomou a decisão de banir o mangá shōjo Sasaki to Miyano das bibliotecas escolares, com a justificativa de proteger adolescentes de um conteúdo que o conselho considerou impróprio.
A discussão foi abordada após uma reclamação referenciando crimes contra o Estatuto da Flórida, especificamente o capítulo 847 “obscenidade”, seção 012, “materiais nocivos; venda ou distribuição a menores ou uso de menores na produção é proibido; sanção penal”, incluindo conteúdos considerados pornográficos.
Nas fotos reais apresentadas do documento, a parte reclamante afirma que leu todo o material da lista apresentada em reunião de uma escola local de Ensino Fundamental II, e escreve que “orientação sexual não deve ser implantada na juventude”, enquanto continua afirmando que o material é inapropriado por “poder levar a problemas com pornô, masturbação compulsiva, identidade sexual, vergonha, autoestima e manutenção de relacionamentos saudáveis”, em seguida sugerindo o banimento do conteúdo em todos os níveis escolares, afirmando que não há valor algum em livros homossexuais estando disponíveis em escolas. Por fim, é feita a sugestão de material alternativo que a reclamante considera apropriado, onde há a menção de obras como “Chainsaw Man”, “The Seven Deadly Sins”, “Sailor Moon”, “Haikyu”, dentre outros. O nome da escola permaneceu em anonimato, e muitos dos termos utilizados são uma referência a materiais conservadores que não reconhecem a inclusão social de grupos minoritários.
Além das variadas imprecisões textuais e científicas encontradas na reclamação, usuários em diferentes redes sociais questionaram a interpretação de conteúdo impróprio, assim como suas motivações implícitas, dado que a parte reclamante cita obras alternativas para os jovens estudantes, mas que possuem cenas de violência, sexualização ou complexidade psicológica, enquanto Sasaki to Miyano é um mangá sem restrição de idade, embora publicado nos Estados Unidos pela editora Yen Press com a recomendação para 13 anos ou mais.
O mangá em questão, Sasaki to Miyano, trata-se de um shōjo de comédia escolar, um “slice of life” trabalhado com delicadeza e com uma ambientação extremamente simples, de leitura suavizada. O título é estruturado com uma abordagem e estilo muito mais pensados em um público jovem, por ser uma série que não se aprofunda em temáticas emocionalmente carregadas e sim na sensação de frescor e transição da juventude, a autodescoberta em diferentes contextos na adolescência, e não possui linguagens ou imagens demasiadamente maduras.
O vídeo da votação foi publicado na rede social X, que atualmente está suspensa no Brasil, e a presidente do conselho escolar, Megan Wright, afirma que desaprova conteúdo focado em romance e critica a estrutura de leitura de mangás, sugerindo que a forma correta de leitura deveria ser da esquerda para a direita, “do começo ao fim”, e relaciona esse tópico com sua decisão favorável ao banimento de Sasaki to Miyano, votando contra a recomendação do comitê para manter a obra disponível. Entretanto, na sua fala, ela afirma que o mangá citado possui um relacionamento impróprio, além de ter confundindo conceitos simples de início e fim textual, quando associa como errada a estrutura de leitura da mídia japonesa. Sua fala levantou questionamentos também sobre a sua interpretação das demais obras listadas que não passaram pelo mesmo banimento deste mangá específico, já que a presidente afirma ter lido todas as obras disponíveis. Entre os demais membros do conselho, é também citado que o mangá seria “estúpido”.
Entre muitos argumentos conflitantes e embasamentos que levantam preocupações sociais, o mangá será banido das escolas públicas no Condado de Brevard. É importante citarmos que a Flórida já possui um histórico recente de medidas controversas em relação ao conteúdo que pode ser consumido, principalmente livros e videogames, e alunos de diferentes escolas já coordenaram protestos coerentes contra decisões do conselho que, de contramão com os avanços nas ciências sociais, não aparentam ter sido tomadas com cautela ética e compromisso científico, dado que os títulos não abordam conteúdos maduros ou focados no público adulto. A Flórida é também um local onde a população majoritariamente segue o cristianismo, o que afeta consideravelmente as decisões políticas locais, principalmente no que se refere à diversidade.
A disseminação de condutas de repreensão e estigmatização acerca dos mangás ou outras criações asiáticas é preocupante no ocidente, assim como a retórica de que a arte precisa estar moldada a uma moral específica, mesmo que a obra em questão seja feita com responsabilidade de conteúdo para públicos mais jovens. Há uma contradição insensível em depreciar obras com linguagem simples e contexto juvenil, principalmente as que envolvem um conteúdo pensado no público feminino, mas simultaneamente valorizar conteúdos que abordam uma maior complexidade emocional e psicológica, que nem sempre é adequada para o consumo de um público muito jovem que ainda não possui a estrutura necessária para praticar a separação adequada entre a arte e o ser humano. Afinal, o jovem deve consumir a arte que é pensada nele; isso não diminui o potencial de um adolescente como leitor, com seus próprios gostos e escolhas, e não diminui a relevância daquela mídia nessa fase específica da vida.