MB Review: NonNonBa, de Shigeru Mizuki
Falar sobre grandes mangakás é uma imensa alegria , principalmente quando você acaba gostando muito da obra. Minha identificação com as obras de Shigeru Mizuki é por você sentir que está vivendo a experiência do autor e, em alguns casos, a sua experiência de vida acaba se misturando com a obra, que é o caso de NonNonBa.
Uma tradução para NonNonBa seria “Vovózinha”, uma pessoa idosa que você tem apreço ou muito carinho e a maioria das pessoas acabam tendo uma pessoa como essa em alguma parte da vida.
Partindo desse princípio, Shigeru Mizuki, como uma pessoa totalmente empática, usa de seu talento para mostrar um legado de forma genial. Se suas obras mais famosas existem, é por causa desta fase de sua vida e principalmente pelo seu convívio com a mulher chamada Fusa Kageyama, a verdadeira NonNonBa.
A obra é chamada de NonNonBa e Eu (Nonnon-Baa to Ore) e nasceu em forma de um ensaio autobiográfico, escrito em 1977, relatando sobre o seu tempo de crianças nos anos 30, antes dos relatos que resultaram no mangá Marcha para Morte, outra fase da vida do mangaká retratada em sua obra.
Com uma narrativa incrível, o texto foi adaptado para diversas mídias, tendo um seriado de tv em 1991 e um mangá em 1992. E é essa a versão que iremos abordar.
A obra narra parte da vida de Shigeru “GeGe” Muraki, um garoto de 12 anos de idade que adorava brincar, detestava estudar e tinha um talento incrível para desenhar, principalmente quadrinhos. Shigeru é o segundo filho de uma família estruturada, porém com seus problemas – assim como todas. Seu pai era um intelectual e tinha um pensamento vanguardista. Sua mãe vinha de uma família decadente, mas se mantinha ligada às tradições antigas e queria o melhor para seus filhos. Nosso pequeno protagonista tinha muito interesse em histórias de Youkais, mesmo tendo medo em alguns casos, e por isso ele visitava sua vizinha, uma senhora bem de idade, chamada carinhosamente de NonNonBa.
O relato da obra é basicamente um período desse convívio. A história é uma mistura de bons e maus momentos da vida de Shigeru. Desde problemas comuns, como o seu pai perder o emprego até questões mais “pesadas” como a morte e até tráfico de pessoas.
NonNonBa é uma aula de humanismo, de sensibilidade, de conhecimento. Ao ler cada página é impossível não se identificar com o relacionamento de Shigeru e NonNonBa, o carinho de um pelo outro me fez lembrar da minha bisavô e os causos e contos folclóricos que ela sempre contava num domingo à tarde.
E por falar em folclore, que aula de folclore japonês temos em NonNonBa! A forma que os contos e as interações com os Youkais são inseridas é sensacional. E há lições valiosas ali implementadas, principalmente com o divertido Azuki-Hakari, que rouba a cena diversas vezes.
O enredo é maravilhoso, simples, mas brutal quando preciso, mostrando um Japão que poucos conhecem mas que existiu, nos dando uma noção do porquê aquela nação acabou tendo um papel importante na Segunda Guerra Mundial e nos permite compreender um pouco mais sobre seu posicionamento nesta parte da história.
O traço do mangá é característico do Shigeru Mizuki, caricato, mas simples, com paisagens e fundos sensacionais, e com uma riqueza de detalhes impressionante, principalmente nas artes dos Youkais. Assim com a personalidade dos personagens, que são em sua maioria bem trabalhados, com uma riqueza de características adjetivas e camadas extensas e bem trabalhadas, tornando a junção arte e narrativa uma combinação única ao leitor.
Ao ler NonNonBa é difícil citar um ponto negativo da obra, mas talvez não agrade os leitores que procuram um entretenimento mais simples, ou um título com poucos diálogos e mais ação. De fato, estamos diante de uma obra de arte em forma de quadrinhos para aqueles que buscam uma experiência ímpar de sensibilidade humana.
A versão da Devir segue o já conhecido padrão do Selo Tsuru (Marcha para Morte, Sunny). Obra completa com capa cartonada, que mal manejada acaba se desgastando com o tempo. Mesmo assim, é uma edição muito caprichada e bem feita, praticamente sem erros.
GeGeGe no Kitarô é um dos patrimônios dos mangás por sua importância no mundo dos quadrinhos e NonNonBa explica o porquê da obra mais famosa de Shigeru Mizuki existir, com uma concepção que só os grandes mestres dos quadrinhos têm. Uma obra que todos que amam quadrinhos no geral deveriam ler.
NonNonBa foi escrito pelo saudoso Shigeru Mizuki em forma de ensaio na Chikuma Shobō em 1977. Em 1992, foi publicado em formato mangá pela própria Kodansha, em 2 volumes. A versão brasileira foi publicada pela editora Devir em volume único em 2017. Você pode garantir seu exemplar neste link.
Agradecemos a editora Devir pela disponibilização do mangá para nossa análise, muito obrigado!