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MB Animações: Rebuild of Evangelion – Você pode seguir em frente

Evangelion Rebuild é difícil de se definir, uma continuação? um Remake? Um Reboot? Do meu ponto de vista, é uma obra que não pode ser desconectada da série clássica, mas também não poderia ser chamada de continuação, figurando como um fim para a franquia como um todo, ou seja, uma continuação. 

Nesse texto, tentarei dissertar sobre a série, e não se pergunte porque eu falei em tentar, embora do meu ponto de vista a série tenha finalizado muito bem, é válido dizer que muitas perguntas não foram respondidas e muitas reflexões continuam perpetuando a obra.

Evangelion Rebuild é uma série animada de filmes derivados da série Neon Genesis Evangelion (1995), o roteiro e direção ficaram a cargo de Hideaki Anno, precursor da primeira série, e o nome que define a franquia. Os filmes foram produzidos pelo Estúdio Khara, foram produzidos 4 filmes: Evangelion: 1.0 You Are (Not) Alone (2007); Evangelion: 2.0 You Can (Not) Advance.(2009); Evangelion: 3.33 You Can (Not) Redo.(2012); Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time. (2021). Embora o objetivo inicial era terminar a saga em 8 anos, a produção acabou levando 16, se foi positivo, ou não, tentarei expor nessa singela resenha, lembrando que a série de filmes está disponível no Prime Vídeo, com versões dubladas e legendadas.

0.1. O criador e sua criatura

As diversas produções animadas de Evangelion tem um elemento muito importante  em comum, muito além do Shinji, Asuka, ou os Evas, temos Hideaki Anno, e como citei anteriormente, considero Evangelion uma das obras mais autorais que vi até o momento, a fronteira entre criador e criatura é ínfima. Nesse sentido, podemos apontar as diversas críticas feitas no End of Evangelion, e como expressavam a insatisfação e tristeza do Anno em relação às críticas extremas que recebeu após o fim da série clássica, gostaria de deixar bem claro que embora possam existir críticas que endossam minha narrativa, ainda devo dizer que isso parte da minha leitura, e pensando no Rebuild, sinto que a obra trouxe uma vibe otimista que deixou de existir após o End of Evangelion, é com essa percepção que optei por trazer esse trecho,  em diversas entrevistas com o Hideaki Anno, é possível perceber que muitos dilemas vividos pelos personagens expressam o que o diretor viveu, com Rebuild não é diferente, e embora a demora entre os dois últimos filmes, que está ligada ao cansaço mental e físico do autor, é perceptível que no Rebuild temos o fim de um ciclo, representado pelo fim definitivo da franquia, e também por uma mudança psicológica do diretor, ainda existem críticas bem expressivas a comunidade que outrora buscou algo superficial na franquia, mas sua mensagem principal é que todo ciclo tem um fim, mas esse fim foi devidamente bom?!

Entra anno e sai anno, e o cara continua sendo um ícone.

1.2. You Can (Not) Advance

Devo começar esse tópico citando um pouco da minha relação com o Rebuild, acredito que eu não seja o único, mas desde que visitei Neon Genesis Evangelion pela primeira vez, cerca de 5 ou 6 anos atrás, sempre via trechos do Rebuild pelo YouTube da vida, e acreditava que o Rebuild não passava de um remake, e embora esse pequeno engano pudesse ser resolvido com 5 minutos de pesquisa na internet, eu obviamente passei 5 longos anos na ignorância, e mesmo que isso soe absolutamente idiota, talvez seja motivo de agradecer.

Como dito anteriormente, embora a previsão inicial fosse de um filme a cada 2 anos, a distância entre o terceiro e quarto é de 9 anos, tempo que acabei não tendo de esperar, mas essa espera foi o motivo de viver de muitos fãs espalhados pelo mundo, na incerteza de quando chegaria, as suas dúvidas só aumentavam depois de um impensado terceiro filme, obviamente eu não era o único que esperava um simples remake, e nesse ponto, falaremos brevemente sobre os 2 primeiros filmes.

Sinopse: Marcada pelo Segundo Impacto, Tóquio III é atacada pelo Quarto Anjo, e o destino da humanidade fica nas mãos da Agência Especial do Governo NERV. O jovem Shinji Ikari é forçado a pilotar a EVA-01. Ele e Rei Ayanami, pilota da EVA-00, têm que lutar, mas o Sexto Anjo danifica a EVA-01. Misato Katsuragi planeja focar toda a eletricidade do Japão no canhão de pósitrons da EVA-01 para derrotar o Anjo. (Retirada do Prime Vídeo).


O primeiro filme do Rebuild teve sua estreia no ano de 2007, com o título Evangelion: 1.0 You Are (Not) Alone, e aqui começa uma jogada perigosa do Hideaki Anno, o nome da franquia de filmes já engana muito, mas o fato das diferenças serem mínimas em relação a série clássica, acabou por criar uma impressão de que teríamos um simples remake, a animação de saltar os olhos seria o diferencial desses filmes.

Sinopse: Mari pilota a Unidade-05 Provisória para derrotar o Terceiro Anjo. Asuka Langley-Shikinami e a EVA-02 derrotam o Sétimo Anjo. O Oitavo Anjo surge e ataca a sede da NERV. A EVA-03, ainda em testes, é tomada pelo Nono Anjo e Shinji vai à luta para detê-lo, mas descobre que Asuka está a bordo. Gendo muda os controles da EVA-01 para o Dummy System e começa a lutar contra a EVA-03. (Retirada do Prime Vídeo)

O segundo filme, Evangelion: 2.0 You Can (Not) Advance, estreou no ano de 2009, dois anos após o primeiro, e nesse ponto as coisas se modificam, muito além da adição da personagem Mari, e o final do filme, temos algumas mudanças narrativas e no desenvolvimento dos personagens.

O filme abre com um belo momento entre pai e filho, e aqui sinto que o momento inicial e as interações entre ambos começam, particularmente não me lembrava desse aspecto, mas o início do segundo filme tem um clima mais amistoso. Nesse ponto, desenvolver essa vibe otimista é um importante elemento para gerar as futuras tensões.

É importante pontuar aqui que o título do segundo filme, e também desse tópico, reflete o sentimento que acredito que o Hideaki Anno deseja passar, enquanto o primeiro filme modifica muito pouco do que outrora seria Evangelion, aqui temos importantes mudanças e adições, o título sugere que o Shinji não pode avançar, mas pensando narrativamente, não parece óbvio que existe uma contradição?! 

O Shinji é o personagem com maior desenvolvimento desse filme, embora existam aqueles que consideram irreal a relação entre um fardo absurdo e a insegurança do personagem, não há quem me diga que o Shinji não avançou, então quem não teria avançado?! Nesse sentido, provavelmente muitos daqueles que acompanharam a série durante todos esses anos, o Shinji começou como um reflexo do seu criador, mas o End of Evangelion o transforma em um reflexo do seu público, em meio às diversas mudanças narrativas, o Shinji segue em frente, junto do mundo que o cerca, a narrativa, e os personagens, e dedico um trecho a introdução da Asuka na história.

A felicidade de encontrar uma Asuka menos traumatizada (Infelizmente por pouco tempo).

Asuka Soryu Langley é um dos ícones de Evangelion, e exatamente por esse motivo, parece ter sido escolhida como um dos pontos de mudança, embora possa soar parecida com a versão que já conhecemos, temos aqui, uma personagem que acredita que precisa de se provar sozinha e manter seu lugar a todo custo, diferentemente da versão clássica, que embora, siga buscando igualmente reconhecimento e seu lugar no mundo, acaba por não dissociar esses elementos das pessoas, no Rebuild, a personagem é definida por sua crença de que deve depender de si mesma, e por conseguinte, isso garantiria seu lugar, independente da sua proximidade das pessoas, o mérito próprio seria seu guia. 

As mudanças de Asuka não representam mero capricho, lembrando que mesmo seu sobrenome foi modificado, passando a se chamar Asuka Shikinami Langley, e embora tenha se tornado um alvo das críticas dos fervorosos adoradores da personagem, creio que sua mudança distância a personagem dos estereótipos e peso dramático que sua versão anterior tinha, com isso, não quero dizer que a personagem seja superficial no Rebuild, o desenvolvimento de um personagem não se resume em um passado triste, seu pequeno arco de personagem é completamente justificável e menos doloroso, propiciando assim, mudanças consideráveis na história principal.

Os acontecimentos que levaram as consideráveis mudanças no que conhecíamos como Evangelion, estão totalmente ligados a essa nova Asuka que nos foi apresentada, o ato final se inicia com o teste da unidade 3, que diferentemente da versão clássica, é protagonizado pela nossa querida Asuka.

Eis que o fluxo de acontecimentos muda, e finalmente temos o Rebuild surgindo em toda sua magnitude. os acontecimentos posteriores ao teste da unidade 3 seguem um ritmo frenético e somos jogados nessa turbilhão de mudanças. Nesse ponto, citei mudanças da Asuka que aceleram a trama, mas, Ayanami Rei também tem um importante papel nesse momento, ao contrário da série antiga que temos uma personagem passiva em grande parte da narrativa, as ações da personagem, sua relação com Shinji e as singelas mudanças em sua personalidade, acabam por cativar Shinji, devo apontar aqui, que a destruição de unidade 3 pelas mãos da unidade 1, com os sérios danos causados a Asuka, foi uma quebra na relação entre Shinji e Gendo, e o próprio propósito que movia o garoto. Por fim, o que o tirou da inércia e o motivou a entrar novamente no robô, foi sua afeição por aqueles que ama, em especial, Rei, e nesse momento, o palco apresenta um grandioso momento em que tudo se resume a salvar uma única garota, um sentimento que venceria a barreira da humanidade, e por fim, quase a destruiria.

3.0. Um quase terceiro impacto e aquilo que não pode ser refeito

A maturidade é um processo difícil de se definir, eu certamente não tentarei dizer o que diferencia um ação madura de uma imatura, muito menos, em que ponto podemos dizer que uma pessoal se tornou totalmente madura, mas tem algo que pode ser dito acerca dessa singela palavra, é impossível ter maturidade sem errar, e nossos erros não podem ser refeitos, a vida não é tão simples, e no mínimo seria chato se fosse o caso, obviamente estou apontando esse elemento com positividade excessiva, alguns erros podem acabar com uma vida, no momento que o Shinji escolheu  avançar por territórios desconhecidos, ele sabia o que desejava, mas não o custo do desejo.

Ao fim do segundo filme temos uma comovente cena, mas que obviamente escondia a crueldade das consequências, e é com essas consequências que somos introduzidos ao terceiro filme.


O terceiro filme, intitulado Evangelion: 3.33 You Can (Not) Redo, estreou em 2012, 3 anos após o segundo, marca o momento de maior quebra em relação às expectativas do público.

Sinopse: Shinji acorda após 14 anos a bordo da AAA Wunder, que pertence a uma organização anti-NERV fundada por ex-membros da NERV. Shinji ouve a voz de Rei vinda da EVA Mark.09, enviada para resgatá-lo, e sai da Wunder, indo para a NERV. Kaworu Nagisa mostra a Shinji a terra transformada. Ele descobre que salvar Rei desencadeou o Quase Terceiro Impacto, que causou os danos catastróficos na Terra. (Retirada do Prime Vídeo) 

Quando assisti o terceiro filme pela primeira vez, fui tomado por um sentimento de insatisfação, não estou apontando o filme como culpado, mas admito que me senti um completo idiota, não havia entendido metade do que o Anno estava tentando dizer, e depois de assistir pela segunda vez, posso constatar que continuo não entendendo muita coisa, mas talvez, apenas talvez, a culpa não seja minha.

Ao longo dos anos tenho defendido fervorosamente que Evangelion só é o que conhecemos devido as suas lacunas, lacunas narrativas, lacunas simbólicas, muuuuitas lacunas, mas devo apontar que essas lacunas tornam a experiência muito rica. No terceiro filme, nós temos uma lacuna proposital, e embora eu sinta que o filme se torna confuso em dados momentos, creio que seja exagero dizer que é um filme ruim.

Tenho certeza que você está se questionando sobre meu apontamento sobre a qualidade do filme, mas a verdade é que ele foi um grande divisor de águas, o salto temporal de 14 anos, as mudanças nos personagens, o novo mundo e as escolhas do Anno incomodaram muitas pessoas, e devo admitir que sou uma delas, enquanto esperava o último filme, acabei por ficar insatisfeito, a mensagem que o diretor queria passar não era passível de compreensão, as mudanças em si eram justificadas, mas o que aquela história estava tentando me dizer? abraçando essas dúvidas somos confrontados com um Shinji que não tem mais lugar no mundo de Evangelion. Talvez isso soe muito cruel, mas aquele mundo que o apoiou a salvar uma garota, também é o mundo que o rejeita, só depois de muito tempo pude perceber que a mensagem está na maturidade, as ações do Shinji foram centradas nas suas vontades, mas suas vontades não poderiam salvar aquele mundo, um mundo que cobra maturidade surgiu e o problema não são os anjos ou os EVAs, todos são meras ferramentas, como outrora o Anno tem discutido em suas obras, o problema nunca se resumiu ao mundo, ou seus males, o problema são as pessoas, ou como elas se relacionam, nesse mundo, não é necessário uma visão de si no centro de tudo, pelo contrário, o mundo só funciona a partir do momento que enxergamos o outro e amadurecemos essas relações. Não vou me aprofundar muito no terceiro  filme, mas devo trazer algumas características que o definem, e se tornam base para o último filme, nossa cereja do bolo.

3.2. A grandiosidade de um novo mundo

O terceiro filme é um novo paradigma, citei isso anteriormente, mas com o andar do texto farei diversas pontuações com relação às escolhas na direção e tema da narrativa, e aqui , no quesito direção, sinto que o Anno aproveitou o grande orçamento, trazendo embates e cenas gigantescas, visto que o universo de Evangelion se propõe a ser assustadoramente absurdo, nesse filme temos isso bem representado, embora nem sempre seja positivo, o grande volume de elementos dispostos na tela muitas vezes trás a sensação de exagero, não de grandiosidade, que acredito ser o objetivo, obviamente é possível ler esses elementos de outra forma, ao longo dos rebuilds os eventos têm ganhado maior escala, assim como os elementos tecnológicos, a representação das metáforas, sinto que esses elementos nos distanciam cada vez mais do mundo de Evangelion, o terceiro tenta abarcar esse distanciamento através das mudanças dos personagens e mundo, mas a direção também evidencia isso, temos tantos elementos na tela que acabamos por nos perder em um mundo visualmente pintado de vermelho e com uma tecnologia cada vez mais voltada ao EVAs e Anjos, percebam que esse distanciamento não é meramente visual, mas compõe um distanciamento cada vez maior da realidade e do que conhecíamos da franquia.

3.3. Kaworu e Shinji

Ao ser retirado de um descanso suspenso, Shinji retorna ao mundo de Rebuild, passados 14 anos, o mundo está à beira do colapso, um mundo em tons de vermelho que parece representar a decomposição de um mundo, mas representa principalmente um mundo sem vinda, compreendemos inicialmente que o centro dessas mudanças é o Shinji, mas o mesmo não compreende isso, ou não deseja entender, todos que outrora o apoiavam, estão juntos em uma organização que tem como função destruir a Nerv, que busca intensamente terminar o terceiro impacto, que outrora o Shinji começou, e nesse turbilhão o garoto é tratado como um prisioneiro, enquanto Anno apresenta um mundo cheio de Evangelions, e perceba, é um mundo infernal, que se resume a sobrevivência, um mundo basicamente adulto, onde a imaturidade não é aceita, ou pelo menos essa foi a minha leitura após o último filme, esse ambiente opressivo leva o Shinji a fugir, seguindo a última fagulha de objetivo que o guiou, Ayanami Rei, mas não era bem o que ele buscava.

Kaworu e Shinji representam uma discussão amplamente desnecessária desde o clássico, muito além da relação que ambos os personagens podem ter, Kaworu representa a aceitação para o Shinji, mesmo no clássico essa representação já tinha uma força absurda dentro da narrativa, mas esse aspecto ganha ainda mais peso no mundo de Rebuild, enquanto a culpa de um mundo destruído recai sobre Shinji, Kaworu não buscava cobrar a aceitação de tudo isso por Shinji, aceitando que o Shinji ainda é um garoto, expurgando seus pecados e culpa com sinceridade, e o ajudando a achar um caminho, um caminho que ainda é imaturo dentro daquele mundo, Shinji desejava refazer, salvar o mundo que o mesmo havia destruído por mero egoísmo, mesmo que não houvesse o desejo de destruir, pelo contrário, ele desejava salvar.

Estou vivendo ou torcendo por esse casal???

Nesse caminho tortuoso temos de lidar com uma pressão enorme sobre Shinji, mesmo aquela que ele desejava salvar não foi realmente salva, ele encontra uma casca de Rei Ayanami, e de forma extremamente cruel, percebe que não pode refazer, em sua tentativa de refazer suas escolhas, com o principal objetivo de limpar a bagunça do mundo, se utiliza das mesmas forças que outrora o guiavam, a violência, medo e imprudência o definem nesse filme, e obviamente, ele não venceu seus obstáculos com sentimentos tão irreais.

Antes de adicionar mais alguns tópicos, gostaria de dizer que os pontos acima só existem por conta dos desenvolvimentos no quarto filme, pensando o terceiro filme de forma isolada, sinto que existe um problema na discussão sobre maturidade, a todo momento o Shinji é questionado e tratado como um pecador, mas com exceção do Kaworu, nenhum personagem tenta dizer algo sobre os acontecimentos após o despertar (conexão de Shinji com o divino), essas ações geram mais questionamentos sobre os personagens em si do que sobre o Shinji. Nesse ponto, gostaria de ressaltar que a representação do Shinji não parece bater com a mensagem, ser forçado a aceitar um castigo sem entender os seus motivos não soa minimamente didático, ao mesmo tempo, não sinto que o Anno buscava criticar os outros personagens, com o andar da narrativa, minhas considerações acabam por me levar a crer que existe uma grande metáfora sobre como os Evangelions são danosos, a franquia foi uma benção para o Anno, mas também foi seu castigo, e embora eu perceba muito bem, creio que meu incômodo com o terceiro filme está nesse ponto, o uso de metáforas pode ser interessante, mas o excesso delas gera confusão e contradição, em meio a um filme com diversos acontecimentos, sinto que o único sentimento que ficou é que você não pode cobrar maturidade sem que haja um direcionamento, todo nós estamos sujeitos a errar, mas perceber esse erro não é tão simples quanto parece. Por fim, gostaria de citar que o final desse filme foi extremamente cruel, quero dizer, o filme todo foi, mas criar um ambiente de esperança, no qual, o Shinji poderia refazer e alcançar o perdão, junto de alguém que demonstra uma afeição pura e deseja o melhor para o garoto, são elementos que criam um sentimento de que as coisas podem acabar bem, o que infelizmente não foi o que vimos, a impulsividade de se salvar e a crença de que o mesmo mecanismo que destruiu o mundo, poderia o salvar levam a um quase quarto impacto, e….. a morte de Kaworu, tragédias que só sentiremos no quarto filme, e base dos nossos tópicos finais.

A maldição do Eva e a libertação de um ciclo de tristeza

No desenrolar do texto tenho dito que o Evangelion é o fim de um ciclo narrativo, mas também de uma fase do diretor, entre o terceiro e quarto filme tivemos um intervalo de 9 anos, e embora muitos tenham odiado esse intervalo, segundo o próprio diretor, o fim de Evangelion não existiria da forma que conhecemos se não houvesse esse intervalo, as incertezas do terceiro foram deixadas de lado, e temos aqui, o que acredito ser o melhor filme do Rebuild, e talvez o melhor arco de toda a franquia.

Sinopse: Misato e o grupo anti-NERV, Wille, chegam a Paris, uma cidade vermelha em função dos núcleos. A tripulação da nave Wunder pousa em uma torre de contenção. Eles têm 720 segundos para restaurar a cidade. Quando EVAs da NERV aparecem, Mari deve interceptá-los com sua nova unidade 8. Enquanto isso, Shinji, Asuka e Rei (nome provisório) perambulam pelo Japão. (Retirada do Prime Vídeo)

No terceiro filme, a maldição dos EVAs é citada pela primeira vez, embora possa soar estranho que estou citando apenas depois de entrar no quarto filme, sinto que só aqui percebemos o peso dessas palavras, a maldição, exposta primeiramente com o não envelhecimento daqueles que pilotaram um EVA, vai muito além da narrativa, os personagens icônicos que pilotam seus robôs enquanto lidam com seus traumas figuram no imaginário coletivo desde sua estréia, acabaram por se tornar representações superficiais do que representam, presos ao mundo de EVA, em um cruel ciclo de traumas e tristeza.

A primeira parte do quarto filme nos tira um pouco desse mundo insano do Rebuild, e aqui sinto que o Anno busca retomar o Shinji como o concebeu inicialmente, talvez seja uma análise equivocada, mas sinto a libertação do personagem e da franquia só seria possível com uma retomada, lembrando que o End of Evangelion é o divisor da franquia, sendo uma produção voltada aos seus fãs e refletindo uma parte dos espectadores que não o aceitaram na íntegra. Essa retomada acontece através do reencontro com os amigos e a vida em comunidade, e aqui quero pontuar que o Shinji é o único que não consegue se encaixar, temos aqui 3 percepções diferentes sobre um mesmo lugar e momento.

Após o fim dos acontecimentos do terceiro filme, Shinji, Asuka e Sósia (Clone da Rei) são acolhidos em uma vila no Japão, reencontramos Toji Suzuhara, Kensuke Aida e a adorável representante, fora a felicidade de perceber que meu casal ideal se consolidou, percebemos que nessa pequena vila se mantém uma vida relativamente comum, obviamente cheia de problemas, mas isolada do mundo grandioso e assustador que nos oprimiu no terceiro filme, o trabalho, os cumprimentos habituais, o dia depois do outro compõem esse lugar, devo dizer que amei o contraste da direção do Anno em relação aos eventos comuns em Evangelion, aqui o clima leve toma nossos olhos e se torna palco para a mudança da Sósia e Shinji. DIto isso, qual a importância desse ato??

Uma Ayanami Rei que não consegue se relacionar, o Ikari Shinji que está preso em seu mundo por medo de se machucar, e a Asuka que precisa de se provar, pera, dentre os elementos citados podemos perceber elementos muito similares que vimos nos vários começos da história de Evangelion, mas o mesmo não pode ser dito sobre a Asuka, o título desse trecho do texto retoma a maldição dos EVAs, repense todos os símbolos de Evangelion e me diga qual é o mais lembrado, e também, mais criticado?! Eu sei que você pensou em Asuka, se não pensou, se considere grato pelo círculo social em que vive, pensando a maldição para fora da narrativa, a Asuka é a personagem mais presa como representação, muitas vezes, esquecida por seu desenvolvimento primoroso na série clássica, mas lembrada por ser a maior tsundere dos animes, essa maldição acaba por isolar a personagem nesse momento, se resumindo a nos mostrar que sua afetividade em relação ao Shinji contrasta com sua raiva com relação ao personagem, mas antes de falar sobre Shinji, temos de apresentar a Sósia de Rei, gatilho do desenvolvimento do nosso protagonista.

A Sósia, e sim, estou chamando ela por esse adjetivo por soar errado dizer que ela é a Ayanami, embora tenha dito que a mesma foi utilizada como representação da mesma nessa retomada, tem uma importante função no filme, nos mostra a beleza da vida comum, desde a vida, através da interação com crianças, até a o trabalho e a recompensa pelo esforço, a personagem lentamente se descobre ao perceber que pode se diferenciar da alcunha de Ayanami Rei, seu processo de descobrimento contrasta com o isolamento de Shinji, possibilitando que o mesmo perceba que a vida não é feita apenas de dor e tristeza, e que, pode acabar sem aviso prévio, a personagem sequer recebeu um nome, se importou com sua predestinação ou a imagem de ferramenta, que outrora acompanhou a original como representação, seu fim foi o começo de algo, a caminhada de Shinji.

Devemos compreender que o Shinji é o ponto de mudança nesse mundo, mas antes de mudar o mundo ele precisa de compreender em que ponto mudar, durante o Rebuild o mesmo recebeu o fardo de ser o agente modificador, fardo que seu criador também carrega. Após o fim trágico de Kaworu, o personagem é tomado por um estado de torpor, o medo de se machucar e das responsabilidades acaba por o esmagar. Em uma situação que não poderia ser superada sozinho, Toji, Kensuke, Asuka e Sósia acabam por lentamente trazer o personagem de volta a si, e por fim, compreender que viver é sobre machucar e ser machucado, mas não se resume a essas ações, maturidade, ao menos a que compreendi através do que foi apresentado, é alcançada a partir da relação consigo mesmo e com o outro, o fardo que Shinji carregava não era apenas dele, nós compartilhamos felicidade e sofrimento, mas o que gerava todo aquele sofrimento? Quem era o culpado por aquela dor?! Apenas compreender o problema não é o bastante, partindo do pressuposto que os problemas advinham dos EVAs e Anjos, a única forma de mudar aquele mundo é o encerrando.

Neon Genesis

Chegamos ao último tópico, foi uma longa caminhada, muito foi deixado pra trás, fazer o recorte e o transportar para essa resenha foi extremamente difícil, mas aqui entraremos no último ato.

Não se resumindo meramente ao Rebuild, mas a toda franquia. Admito que a primeira vez que vi o final acabei por me emocionar, não é muito diferente de como me sinto nesse momento, o último ato é uma última batalha, mas uma vez o Shinji entra no robô, dessa vez não o faz por necessidade de ser reconhecido pelo pai, ou por se sentir obrigado a salvar o mundo ou alguém, mas para destruir aquele mundo, o mundo que o oprimiu durante décadas. Finalmente temos vislumbres de quem é Gendo Ikari, um homem devastado pela perda, que nunca ousou conversar com o filho, a batalha final é cheia de explosões, EVAs e efeitos visuais, mas isso não é o que realmente importa, uma breve conversa entre pai e filho, e dentre os dois, apenas um deles carregava a confiança de tantas pessoas e entendia que fugir não é a resposta correta, mais uma vez Shinji recebe o poder de mudar o mundo, e sua escolha é destruir esse mundo, e o reconstruir sem os EVAs. Nesse momento compreendemos que todas as versões de mundos da franquia que conhecemos fazia parte de um ciclo, mas do que acabar com esse ciclo, temos a libertação desses personagens e do seu criador. Hideaki Anno finaliza sua franquia com diálogos, deixando de lado todo violência que esse mundo resguardou através de algumas décadas, e uma última vez, se utiliza do poder de sua mitologia para trazer um novo mundo, a direção das cenas intercala em cenas animadas e cenas do mundo real, sinalizando que um mundo mais próximo do nosso surgiu, uma Neon Genesis, dessa vez, sem Evangelion. 

Por fim, gostaria de dizer que finalizar com o resgate do Shinji pela Mari, e posterior cena dos dois juntos foi um grande acerto, tive o cuidado de citar muito pouco a Mari nesse texto, simplesmente por sentir que ela sempre foi uma intrusa no mundo de Evangelion, a cena em questão dela tirando a coleira do Shinji é muito libertadora, e o sentimento é que o mesmo pode seguir em frente deixando esse mundo pra trás, ao lado de alguém que nunca pareceu se encaixar naquele mundo. 

Com um belo sorriso deixo um ponto final nesse texto, assim como Anno finaliza com um sorriso que esperamos por tanto tempo.

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