MB Review: A Espera

“A guerra sempre deixa cicatrizes. Algumas cicatrizam com o tempo, outras nunca se cicatrizam. A espera pode ser pior que a certeza de que algo acabou”.

Em A espera, compreendemos o peso de uma guerra na vida de pessoas comuns, o conflito entre a geração que viveu essa realidade e as novas gerações, e a vivência daqueles que sobreviveram a Guerra. 

Sinopse: Jina é uma romancista filha de Gwija, uma senhora coreana que, aos dezessete anos, foi obrigada a se casar com alguém que não conhecia para escapar do destino cruel de servir às tropas japonesas como “mulher de conforto” na Segunda Guerra Sino-Japonesa. Apesar de esse ter sido um casamento forçado, Gwija encontrou a felicidade, mas ela durou pouco. Separada do marido e do filho durante a Guerra da Coreia, ela conseguiu chegar ao Sul e recomeçar com uma nova família, porém sem jamais esquecer da antiga. Então, a caçula Jina prometeu ajudá-la a encontrar seus amores de outrora, só que, tendo se passado 70 anos desde a trágica separação, essa espera tem se tornado cada vez mais aflitiva e desesperançada, afastando Gwija, agora uma idosa de saúde frágil, do sonho de rever os entes queridos e fazer as pazes com o passado. Ao mesmo tempo, Jina se martiriza com a promessa não cumprida que fez à mãe, o que resulta em uma trama forte e tocante que envolve o leitor a cada virada de página.

Após o sucesso que foi a vinda de Grama para o Brasil, a editora Pipoca e Nanquim publica um novo título da autora, Keum Suk Gendry-Kim, apresentando uma narrativa ficcional sobre pessoas que viveram durante a Guerra da Coreia e esperavam reencontrar seus familiares que foram separados durante a divisão das Coreias. Embora seja uma ficção, a história foi inspirada em relatos de pessoas que viveram, e vivem, os impactos de um conflito, que como outros, representa o interesse de grupos e países por poder. Conflitos esses que mudam a vida de muitas pessoas, seja diretamente, com convocações de pessoas que viviam suas vidas para guerras de interesses, ou indiretamente, com os efeitos durante e posteriores aos conflitos.

A edição publicada pela Pipoca e Nanquim apresenta um formato de luxo, seguindo com a base da maioria dos seus materiais. A publicação foi traduzida diretamente do original publicado na Coreia do Sul, contendo 252 páginas, o miolo é composto por offset 90g, o formato contém capa dura, sobrecapa (material muito resistente e suave ao toque) e verniz localizado.

Em relação a publicação e produção editorial, a edição é muito bem feita. Até então, a PN mantém uma das melhores qualidades editoriais do mercado, a revisão e tradução estão impecáveis, ou pelo menos não pude notar nenhum erro.

Agora, sobre conteúdo, admito que me arrependo amargamente por não ter comprado Grama. O enredo, arte e a apresentação da narrativa são muito bem feitos e fica perceptível o cuidado e competência da autora, mas antes de me aprofundar mais, gostaria de adicionar um pouco de contexto.

A Guerra da Coreia foi um confronto ocorrido entre 1950 e 1953 envolvendo as recém divididas Coreia do Norte e Coreia do Sul. Em um resumo bem superficial, a Coreia foi ocupada pelo Japão durante a Segunda Guerra Mundial. Após o fim da guerra e derrota do Japão, a Coreia foi dividida entre Norte e Sul por influência da disputa Geopolítica entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), culminando no que chamamos de Guerra Fria. Embora esse conflito tenha chegado ao fim com a derrota da URSS e a Queda do Muro de Berlim, as Coreias continuam divididas e em “guerra”, mas qual o objetivo de apresentar esse contexto?! 

A Espera é uma obra sobre aqueles que ainda esperam rever seus familiares, mesmo depois de décadas, da incerteza sobre saúde e de que pessoas se tornaram. Diversas famílias foram separadas durante o processo que dividiu as Coreias, processos que ainda hoje restringem e são controlados pelos governos de seus respectivos países, em especial a Coreia do Norte, escolhendo quantas pessoas recebem a oportunidade de rever seus familiares, um número bem pequeno em relação aos que desejam a oportunidade. Nesse sentido, a obra tece diversas críticas aos países culpados por todos esses processos, fluindo entre o passado e presente, nos conectando aos dilemas dos personagens e nos mostrando os horrores da guerra.

O fato da obra dividir-se entre os acontecimentos da guerra e seu impacto gera uma sensação de desconforto e impotência, algo que particularmente me fez gostar ainda mais da narrativa e dos personagens. 

É comum ao falarmos sobre guerras apontarmos o horror que as acompanha, mas sempre parece uma discussão distante. As gerações atuais não passaram por esses eventos e parece tão banal falar sobre guerras, mas ao mesmo tempo ainda existem diversas pessoas no mundo que são afetadas por guerras do passado ou presente. 

A autora também apresenta diversos aspectos da vida das personagens, seus dilemas e as diferenças entre gerações. Um elemento bem importante na obra, já que estamos falando de uma história sobre pessoas comuns, o ênfase na figura das mulheres e como sua importância é algo a ser valorizado em um mercado e um mundo que as mulheres sofrem com a desigualdade  de oportunidades.

A Espera é uma dessas obras que te cutuca pra te lembrar de algo importante, e até a própria autora demonstra se assustar com essa constatação. Embora seja uma ficção, foi construída com base em relatos de pessoas reais, com sentimentos reais e, se o objetivo era me lembrar do mundo que vivemos e das vozes que ainda esperam resposta, certamente ela cumpriu seu propósito.

Agradecimentos a editora Pipoca e Nanquim por ter cedido o manhwa. Caso queira adquirir https://amzn.to/3xRPMFO

Segue um vídeo mostrando como ficou a edição:

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