MB Review: Ayako
Então, hoje vamos falar um pouco sobre Ayako, obra dele, dele mesmo, um dos maiores nomes dos mangás Osamu Tezuka. Mais um fantástico clássico, dessa vez nas mãos da Editora Veneta.
Antes de batermos um papo sobre Ayako, vamos apresentar a sinopse:
Jiro Tenge, filho de uma família aristocrática do norte do Japão, volta para casa depois de passar anos como prisioneiro dos americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Ele descobre então um terrível segredo envolvendo seu pai, seu irmão mais velho e sua cunhada. Mas Jiro também tem um segredo, igualmente terrível. E todos decidem que a filha mais nova, a pequena Ayako, é quem pagará pelos pecados da família. Através da história da família Tenge, o quadrinista Osamu Tezuka conta a história do Japão no pós-guerra.
Como já foi dito na sinopse, a trama começa em 1949 com Jiro Tenge, filho de uma família aristocrata com mais de 300 anos de tradição em Yodoyama, e comanda com punho de ferro pelo seu pai Sakuemon. Jiro foi um prisioneiro de Guerra, passou anos nas mãos dos americanos e enfim foi libertado. Já de volta em sua casa, uma tradicional mansão japonesa de uma família prestigiada na região, infelizmente não é recebido de braços abertos pelo seu pai, que o condena por não ter dado sua vida na época Exército Imperial Japonês, já que seria uma honra dar sua vida em prol da guerra e ao imperador, mas esse não era o caso de Jiro. Após Jiro chegar em casa, para sua surpresa, ele conhece sua nova irmãzinha de quatro anos, Ayako, e fica espantado com a semelhança de Ayako com sua cunhada, esposa de Ichiro, Sue.
Depois de alguns acontecimentos dentro da trama, Jiro descobre que seu pai tinha um caso com sua cunhada, que era permitido por seu próprio irmão, Ichiro, então esposo da Sue. Tão logo ele conecta a semelhança de Ayako com Sue e descobre que, de fato, Ayako é sua irmã. Ele fica surpreso, já que sua irmã mais nova sofria severamente a ira de Ichiro, uma vez que ela foi fruto de um relacionamento com o próprio chefe Sukaemon, mas a história segue adiante e Jiro é apenas mais um de sua família que descobriu como são podres e gananciosos seu pai e o irmão mais velho.
Jiro, secretamente, servia ao Governo de Ocupação, um governo paralelo ao japonês, que pertencia ao governo americano e este supervisionava e comandava todo o Japão após sua rendição para os americanos, depois do fim da Segunda Guerra. Jiro costumava fazer o trabalho sujo, investigava, fazia espionagem e muito mais – provavelmente isso o fez sobreviver durante sua estadia como prisioneiro de guerra -. Numa de suas espionagens contra a um líder do partido comunista, ele descobre que sua irmã Naoko está tendo um caso com o mesmo, e isso não seria um fato tão relevante se o namorado dela não tivesse que ser morto e ter sua morte forjada pelo próprio Jiro e é aí, meus amigos, que começa a trama política.
Assim como no review que fiz de Recado a Adolf, também do nosso queridíssimo Tezuka, Ayako tem os personagens como uma espinha dorsal, mas o mundo criado por Tezuka faz parte de algo maior. É notória a repressão que o governo americano faz contra os comunistas, socialistas e simpatizantes de ideologias de esquerda, que se dizem a favor da liberdade de pensamento, e são capazes de fazer o que for possível para abafar manifestações trabalhistas e líderes sindicais. Pessoas somem, são caladas e reprimidas, empresas públicas são sucateadas, onde acima de tudo se visa o lucro, acima até mesmo da vida e dignidade humana, tudo isso era presente no pós-guerra onde os perdedores, que já não bastavam ter tido parte de sua população destruída por bombas atômicas, ainda foram oprimidos por pessoas da alta cúpula americana.
Na obra, Tezuka não conta apenas uma história que só ele viveu, pois foi uma época muito conturbada para o Japão e seus residentes. Me impressionante como em 1972 (data da publicação de Ayako) o autor teve a coragem de falar de temas tão delicados em sua obra, são trazidos à tona em Ayako temas como: O controle americano sobre o governo japonês, repressão de ideias, machismo e agressão contra a mulher. A personagem Ayako, que durante a história foi mantida em cárcere sem poder sair de um porão por décadas, é a prova do que o autoritarismo, egoísmo e o dinheiro são capazes de fazer. Ela teve anos de sua vida ceifada, que nunca vai ter de volta, por algo que nunca fez ou sequer teve culpa, algo muito traumático que muda drasticamente sua vida e sua interação com a sociedade, numa sociedade onde o dinheiro e poder controla a política e domina o restante. Ayako não é só uma fantasia de Tezuka, nesta obra a ‘’Arte imita a vida’’.
Novamente, Tezuka quebra o estigma que o dão a ele de traço infantil. Não, com toda certeza, não é infantil, nem em Ayako ou Recado a Adolf que citei no início, seja pelas expressões, pela paisagem, as características do traço em si. A obra trata de um período traumático da história, que são retratados através da arte deste grande autor, com base em muitas referências, uma pitada de vivência e outra fantástica pitada de sua arte. Mas não se preocupe, se você acha que esse grande mangá em volume único tem uma difícil leitura por conta do seu tema, é muito pelo contrário.
Apesar de vários diálogos, é uma leitura muito fluida, com notas no rodapé, um posfácio de Tezuka enriquecedor e um prefácio da Edição Brasileira de extrema importância, tão quanto a própria obra, pois ela traz relatos do autor, um pouco de sua história e de história em geral e, como se já não fosse o suficiente, a obra conta com um final alternativo de suas últimas 7 páginas, que Tezuka fez posteriormente e fora do Japão. A Veneta foi a única editora a trazer esse final alternativo e eu particularmente fiquei satisfeito com ambos os finais, mas ficam aí duas opções pra você: se uma não te agradar, você ainda tem mais uma chance.
Sobre a edição da Editora Veneta, é fato que Ayako não é uma mangá nada barato. Porém, seu preço condiz com a qualidade: miolo costurado (então, apesar de ter uma lombada gigante -a maior da minha estante até o momento-, essa não vai envergar durante a leitura), acabamento em capa dura e um papel com uma gramatura de uma qualidade fantástica. Sendo assim, seu preço realmente é condizente com o material entregue. De qualquer forma, você sempre pode encontrar a obra com desconto e aproveitar esse maravilhoso ensinamento de Osamu Tezuka.
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