MB HQs: Batman: O Mundo

A coletânea Batman: O Mundo chegou às prateleiras mundiais recentemente. Um lançamento mundial simultâneo do encadernado com catorze aventuras do Homem-Morcego, que mesclam-se entre memórias passadas e acontecimentos recentes, são ambientadas em 14 diferentes localidades, em que cada história é escrita e desenhada por autores nativos dos países por onde o Morcego passa. 

Ao todo, tivemos passagens pelos seguintes países: Estados Unidos, França, Espanha, Itália, Alemanha, República Tcheca, Rússia, Turquia, Polônia, México, Brasil, Coreia do Sul, China e Japão. São histórias curtas, mas todas repletas de referências ao seu país de origem, o que torna a leitura bastante atrativa. Somos apresentados a nuances novas nas narrativas do Cavaleiro das Trevas e a variedade de autores contribui de forma muito positiva para essa diversificação. 

Embora algumas das histórias fujam um pouco das pancadarias e da luta contra o crime, esses são pontos encontrados nas narrativas, mas não formam sua totalidade. A que mais destoa, e uma das minhas favoritas dessa coletânea, é a espanhola. Uma breve crônica de férias do Cruzado Encapuzado tomando sol nas praias da Espanha. Achei lindo. Outra que também é bem diversa é a francesa, que reforça um pouco demais o estereótipo do romantismo francês, mas que se torna um recorte bonito e romântico sobre o Morcego. 

A variedade de autores e desenhistas nos permite, numa mesma HQ, viajar para diversas realidades. Por consequência, em algumas histórias, o ritmo é frenético e cinematográfico, o que torna a leitura prazerosa, mesmo que as passagens em si sejam curtas. Cito aqui a história mexicana, um verdadeiro deleite aos olhos com uma arte inigualável e uma quadrinização fantástica, que prende a atenção e o olhar até o último quadrinho. 

A aventura japonesa também é uma obra fantástica. A arte que se assemelha aos mangás e uma quadrinização dinâmica  – a única em preto e branco – é bastante atrativa e, para nós leitores de mangás, uma ótima pedida. O Batman Ninja retorna ao país numa aventura clichê, mas muito bonita. 

O ponto alto da revista é a história nacional, com roteiro de Carlos Estefan e arte de Pedro Mauro (dupla conhecida pela Trilogia Gatilho) e colorida por Fabi Marques. Aqui, temos um Brasil nada diferente do que vemos hoje em dia, afundado em corrupção, desigualdade e criminalidade e a crítica social já começa logo na segunda página. Com os investimentos das Indústrias Wayne no país sendo desviados, o próprio Bruce decide vir ao país para investigar a corrupção iminente. Enquanto fica de fora, acompanhando a reunião de seus assessores, Batman caminha pela noite paulistana enfrentando os horrores cotidianos que rondam as ruas da capital. 

“Aqui não há supervilões, monstros ou palhaços do crime. Mas o país e seu povo estão em constante conflito”. 

O retrato da desigualdade foi bem feito e permeia toda a história. Os “vilões” aqui são os políticos e, ironicamente ou não, a bancada que recepciona a assessoria Wayne é composta por um pastor, um banqueiro, um empreiteiro e um deputado. Figuras anônimas que retratam bem nas mãos de quem está o nosso país. A impunidade também é retratada, e nem mesmo o Homem-Morcego pode lutar contra isso, está enraizado em nosso sistema. A ideia de Wayne de instalar empresas no país para gerar renda e oportunidades para a população é reforçada quando o magnata caminha pelas ruas da cidade e vê com seus próprios olhos a necessidade da população e a falta de recursos e oportunidades que, infelizmente, são uma realidade em nossa sociedade. Oportunidades estas que são escoadas pela corrupção e desvio de verbas públicas – e, como no caso da HQ, privadas.

Foi uma ótima abordagem e uma boa forma de retratar a passagem do homem-morcego por nossas terras. Assim como já disse Capitão Nascimento, o inimigo aqui é outro. Não somos assombrados por ameaças fantasiadas, como nas ruas de Gotham, somos vítimas de um sistema político e de uma cadeia de padrões que se repetem e que datam de muito antes de sermos governados por partido X ou Y. O Brasil é um país jovem e nossa democracia é jovem também, mas é forte. Bom, é nisso que eu acredito, e acredito também que podemos mudar o sistema. Não precisamos de uma armadura ou de uma capa, nem sermos um cavaleiro nas trevas, mas a mudança vem de cada um que acredita e que atua para a nação, que se posiciona e que usa sua voz, e seus direitos políticos, em prol do que acredita, em prol da mudança. 

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