MB Animações: Colorful – Somos todos coloridos

Recentemente tenho resgatado algumas antigas obras do meu passado, e mesmo que não lembrasse muito bem, me senti impelido a escrever sobre Colorful, um dos primeiros filmes animados que assisti. Embora houvesse uma breve impressão de que era uma ótima animação, não poderia estar mais feliz por ter me equivocado, já que foi muito além da expectativa que outrora tive assistindo. Após muitos anos de vivência, abraçando os altos e baixos da vida, a experiência se mostrou muito além da expectativa, talvez as cores que definem quem eu sou tenham mudado.

Vamos falar sobre essas cores, não as que me definem, mas que representam muito bem a obra.

Colorful é um filme animado lançado no ano de 2010. A produção do anime ficou por conta da parceria entre os estúdios Sunrise (Cowboy Bebop, Code Geass e Gundam) e Ascension (Rinshi!! Ekoda-chan e Duel Masters), os produtores foram Atsuhiro Iwakami e Kenji Uchida – nomes que estão por trás de Code Geass, Bakemonogatari, Madoka Magica e Gundam – e a direção ficou por conta de Keiichi Hara (Shin Chan e Miss Hokusai).

Ainda que me sinta um novato falando sobre produção (temos um papo bem legal com o Sakuga Brasil no nosso podcast pra provar meu ponto), creio ser inevitável entrar nesse assunto. O filme surge da parceria dos estúdios Sunrise e Ascension, e fica perceptível nos produtores que é uma parceria bem ousada, sendo grandes nomes por trás de alguns dos animes mais badalados da época. 

O diretor principal não tem tantos trabalhos no currículo, ainda que alguns sejam bem interessantes (não cheguei a assistir Shin Chan, mas Miss Hokusai é um ótimo filme animado). Em aspectos gerais, o filme tem uma boa direção e animação, utilizando-se muito bem das cores para nos conectar com a história que está sendo contada. É interessante perceber que o filme é de 2010, mas sua estética remete muito aos anos 90, acredito ser uma escolha acertada, visto que adapta uma novel de 1998, trazendo elementos da época e sentimentos que outrora compunham a realidade do japonês médio, mas esses aspectos entenderemos adiante no texto.

Sobre a história

Sinopse: Ao chegar à estação ferroviária da morte, uma alma impura recebe uma segunda chance de vida contra sua vontade. Reencarnando no corpo de Makoto Kobayashi, um menino de 14 anos que recentemente cometeu suicídio, a alma tem a tarefa de identificar o maior pecado da vida do menino em um prazo de seis meses. Embora permaneça relutante em continuar a vida como Makoto, a alma logo começa a perceber a complexidade das emoções e ações das pessoas.

Colorful é um filme bem agraciado no quesito história e desenvolvimento, muito da qualidade da narrativa deve ser atribuído a Eto Mori, autora da novel. Nesse ponto, devo ressaltar a importância de se contextualizar a publicação na década de 90, visto que a obra foi publicada em 1998. 

Acredito já ter citado em outros textos, mas a década de 90 no Japão representa um forte declínio econômico em relação à década anterior e o dito milagre econômico, e embora isso possa soar distante dos temas que definem Colorful, que a meu ver se voltam ao suicidio e a imperfeição das decisões humanas, podemos conectar o aumento de problemas psicológicos às crises econômicas, dentro de um sistema que se baseia na noção de ter = ser, onde a crise econômica revela problemas que outrora não existiam, ou pelo menos estavam ocultos. 

Repensando a narrativa enquanto produzo o texto, muitos dos problemas familiares e de socialização de Makoto Kobayashi estão relacionados ao ter/ser. Obviamente, não pontuarei esses problemas nesse texto, visto que o objetivo é te atiçar a conhecer a obra, mas essa dimensão tem um espaço muito interessante na narrativa. É possível tecer um breve paralelo entre esses aspectos nocivos do capitalismo em relação à forte cultura japonesa, mas acredito que esse tema mereça um texto próprio. 

As cores que nos definem em contraste com o suicídio 

Somos introduzidos na obra a partir do renascimento de uma pessoa, não sabemos seu rosto ou nome (usarei o termo alma impura para o diferenciar do Makoto), apenas sabemos que ela havia morrido e cometido um crime enquanto era vivo. Mas, ao contrário da expectativa de simplesmente renascer como uma criança ou animal, sem que houvesse memória de uma vida passada, o protagonista deve renascer no corpo de Makoto Kobayashi, um garoto de 14 anos que cometeu suicidio. Renascer como Makoto é parte de um teste, com o objetivo de descobrir qual foi o grande crime da alma impura, e permitir uma possível redenção dessa alma. 

Pura Pura é uma incógnita, como tudo na obra, funciona como guia da alma impura, mas não sabemos se é um anjo ou um demônio.

A ideia do suicídio aqui é muito importante. Compreendemos o impacto desse evento em sua família, mas um dos principais acertos da obra é não expor inicialmente as motivações de Makoto, somando isso ao mistério por trás do crime cometido pela alma impura, somos guiados em uma jornada que pode começar pelo mistério, mas se torna incômoda e reconfortante com o passar dos minutos.

É importante citar que a obra se propõe a colocar esse personagem em um ambiente desconhecido. O desenrolar da história tece diversas críticas, em especial as diferentes ações dos indivíduos que acompanhamos. Essas ações, determinadas por sentimentos diferentes, definem o nome da obra e subtítulo do texto aqui apresentado. 

O filme tem uma ótima direção, em diversos momentos da narrativa impera um sentimento agonizante em cenas comuns.

A relação entre cores e sentimentos tem sido utilizada em diversas esferas do conhecimento, mesmo na direção de uma obra audiovisual, coloração de quadrinhos, ou em diferentes produções artísticas, utilizam-se das cores para expressar sentimentos. 

Em Colorful, somos arrebatados por diversos sentimentos de diferentes pessoas, expressados através das cores, mas sua mensagem não se resume a diferenciar o sentir, mas em nos mostrar que todos adquirimos essas diferentes cores. Sentimentos como culpa, raiva e tristeza dividem o mesmo corpo em que felicidade, amor e empatia podem surgir. É nesse turbilhão de cores que a obra se propõe a discutir o suicídio, não se resumindo aos seus impactos, mas tentando compreender o ambiente e os sentimentos dos indivíduos que desistem da vida. 

Uma discussão em evidência

Ao longo do texto, expus a relação entre o contexto de surgimento da obra e suas temáticas, e embora possamos ler seu impacto em 1998 (Publicação da Novel), ou no lançamento em 2010, não é difícil de contextualizar a nossa realidade atual. 

O suicídio como efeito de diferentes problemas psicológicos tem crescido a cada ano. Em Colorful, percebemos uma evidente cultura da culpa, seja na relação do indivíduo consigo mesmo, ou do indivíduo com o outro, mas esse fenômeno está longe de se resumir ao Japão. As redes sociais e a exposição dos indivíduos têm criado ambientes cada vez mais competitivos e degradantes, não existe uma única pessoa que se resuma a sentimentos bons ou ruins, mas a internet dá o poder de jogar pedras gratuitamente, seja por ações do presente ou passado.  

Por fim, Colorful é um excelente filme animado, que demonstra a importância de se discutir temas delicados e compreender o ser humano em sua imperfeição, em especial, o peso da culpa, que embora seja um importante elemento na relação entre indivíduo e sociedade, também nos leva a questionar até onde vai a culpa e começa o perdão.

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