MB Classic: Perfect Blue: A Bela [Desconfortável] Dualidade
Quem acompanha ou acompanhou a indústria da animação japonesa no seu ápice artístico (clássicos de 80 e 90), conhece ou teve algum contato com alguma das obras do diretor e produtor Satoshi Kon.
Obras como Paprika e Tokyo GodFathers se tornaram trabalhos que até hoje servem como estudo de uma sociedade pautada na orientalização mas, entre esse meio, uma obra em si conseguiu cumprir seu papel da forma mais desconfortante e atemporal possível: “Perfect Blue”, uma trama que fala, crítica e apresenta uma mensagem tão tênue e esmagadora para os padrões atuais da indústria japonesa de entretenimento que não poderia ser melhor apresentada do que… como um entretenimento.
-O que é Perfect Blue?
Perfect Blue é um projeto cinematográfico em animação do produtor Satoshi Kon, que teve sua estreia no ano de 1997 e conta a história de Mima Kirigoe, que é membro de uma banda de música pop japonesa (j-pop) chamada “CHAM!” e decide deixar a banda para se dedicar à carreira de atriz. Alguns fãs ficam descontentes com a repentina mudança de carreira, pois Mima, sendo um ídolo pop, é vista como uma menina inocente e angelical. Conforme avança em sua nova carreira, Mima mergulha em um intenso drama psicológico no qual fantasia e realidade se confundem colocando em dúvida sua ética moral.
Só que essa resenha em si não será sobre os acontecimentos da história, mas sim, sobre sua relação com o cenário atual e da época, além de alguns temas retratados que o filme propõe. Caso esteja interessado na história, o filme está disponível na Netflix e, após assistir, você pode voltar aqui na Review para entender um pouco mais sobre isso tudo.
Perfect Blue se passa no ano de 1997. O Japão passava por uma tremenda crise financeira, após o estouro da bolha ( período em que os preços das ações do setor imobiliário ficaram muito inflacionados. A bolha de preços de ativos japoneses contribuiu para que os japoneses se referissem a esse período como “a década perdida”) e nisso, nossa personagem principal que já havia se estabelecida num grupo de “idols” (cantoras), resolve sair para tentar a carreira de atriz por meio de sua agência, algo que demonstra a total incerteza de uma prosperidade remunerada, o que fez com que pessoas participassem de qualquer tentativa no ramo empresarial, inclusive setores e questões até meio “amorais” que cercavam todo aquele mercado de caça-talentos japonês da época.
Mas além de tudo isso, algo mais intrínseco é abordado. Tirando a questão antagônica, como o stalker que persegue a garota justamente porque ela não seguiu o seu meio de entretenimento preferido, o filme consegue entrar muito na psiquê da personagem, tratando muito bem o próximo tema que vou abordar aqui, a dualidade.
– A dualidade em Perfect Blue
Sigmund Freud, um dos principais neurologistas e criador da psicanálise, afirmava que existe muito além do que mostramos no meio físico, algo denominado por ele como “sombra” sendo tudo o que foi negado, reprimido ou ainda permanece desconhecido pelo indivíduo e está recalcado — ou seja, reprimido — em seu inconsciente, aquilo que sabemos que existe, mas preferimos não tocar; E em todo momento do filme isso é retratado, Mima após deixar o grupo de idols e fazer cenas que ela nunca faria devido a sua questão moral, acaba se vendo atormentada por uma versão sua imaginária criada por si mesma na época em que fazia parte do grupo de Idols, como se fosse a manifestação de seu real desejo, sua vontade, mas que sempre foi reprimido pela pressão social japonesa e que agora se torna muito mais que apenas uma sombra.
Sobreposto a isso, a personagem entra em uma espécie de ciclo vicioso mental, onde realidade e ilusão se encontram, possivelmente devido ao estresse excessivo que sofreu tanto mental como fisicamente. Sua personalidade entra em crise e não consegue dissociar o que é real ou mentira, sofrendo e até mesmo repetindo sentimentos que não queria viver, uma situação parecida com a “síndrome de burnout” ( um distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema, sempre relacionada ao trabalho de um indivíduo.)
– O que a obra representa?
Perfect Blue é uma crítica a todo setor de entretenimento japonês e social, conseguindo ser atemporal. A obra flerta com situações derivadas de um psicológico quebrado por uma sociedade que contribui com o extremo cansaço social e mental, vindo de uma ação que cria pessoas que buscam viver e tentar alcançar algo que não são ,reprimindo seus desejos e vontades como uma sombra, e tudo isso é pregado como se fosse uma Bela Dualidade.
A obra é uma das mais desconfortáveis e realistas do artista, sendo considerada por muitos sua obra prima, transitando da alegoria ao imoral, o belo e distópico que cada vez mais se torna uma situação real.
“o você que está em você não é o você que você acha que está em você”
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