MB Review: Frankenstein, de Junji Ito
Ficamos em jejum, sem novos mangás do mestre do horror japonês, Junji Ito, por um bom tempo. Felizmente, de 2017 para cá, estamos sendo agraciados com cada vez mais publicações do autor, e uma delas foi “Frankenstein”, lançado no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim neste ano de 2021.
A adaptação em mangá do clássico livro escrito pela britânica Mary Shelley, em 1818, foi desenhada por Junji Ito sob demanda na década de 90. O conto possui cerca de 180 páginas, mas a edição em si é bem maior, pois existem várias histórias curtas que dividem espaço com a saga do monstro criado pelo Dr. Victor.
As histórias de Ito
Os seis primeiros capítulos do encadernado acompanham um jovem que vive sozinho em uma mansão, chamado Oshikiri. Apesar de os capítulos serem episódicos, existe uma certa continuidade, principalmente no que diz respeito às atitudes que o “próprio” personagem toma (quando lerem vão entender o porquê das aspas). Inclusive, no fim da sequência de contos podemos ter uma outra interpretação da primeira história envolvendo o personagem, que possui complexo de inferioridade devido à sua altura. Com exceção da história “O Pântano dos Espíritos Vivos”, todas as outras desse arco são muito boas e perturbadoras, exatamente o que esperamos de algo do Junji Ito.
Mais um dia comum na casa de Oshikiri
Frankenstein pelo Mestre
Na sequência, temos a história que dá nome ao encadernado, Frankenstein. Por incrível que pareça, eu nunca havia lido nem assistido nada do monstro. Sabia apenas o básico do básico, e gostei muito. Não é uma história daquelas que esperamos ver por parte do autor, já que estamos acostumados a ver coisas bastante desconfortáveis com um grande teor de horror psicológico. Aqui não é assim, aparentemente é uma adaptação que toma algumas liberdades criativas, segundo comentário de quem já leu o livro original, mas de um modo geral, é fiel à história-mãe.
O que realmente faz essa adaptação funcionar nas mãos do Junji Ito, é o traço dele, que consegue ser sombrio o suficiente para casar com a atmosfera da história. A cereja do bolo é justamente o monstro criado pelo Dr. Victor Frankenstein.
Como disse, eu conhecia apenas o básico do personagem, mas a imagem que eu tinha, era de um monstro grande, um tanto verde, com a cabeça chata e um prego atravessado no crânio. E aqui, a criatura é apresentada da forma que ela deveria ser: um ser grotesco, nojento, que faz as páginas exalarem um cheiro pútrido, já que é feito inteiramente de cadáveres frescos de pessoas distintas.
Os olhos do ser sempre estão soltando uma espécie de muco, o que me deixou angustiado todas as vezes que ele aparecia na cena, além das retículas dos mesmos estarem meio apagadas, sem nenhum brilho no olhar, realmente deixando um aspecto cadavérico. Isso, sem contar os dentes podres e tortos. Fiz uma rápida pesquisa na internet acerca do personagem e, sem dúvidas, é das versões que mais capturam o espírito do monstro (com o perdão do trocadilho).
Mas, apesar da aparência horrenda, ele é dotado de uma grande inteligência, da qual faz uso para manipular o seu criador e fazer uma exigência bem interessante, isso, claro, após fazer a família do Dr. Victor cair em desgraça. O que é um ponto muito legal, já que o doutor criou o monstro com a intenção de se tornar uma espécie de deus, tendo poder sobre a vida e a morte, mas conforme a história vai passando, vemos que ele se arrepende profundamente por ter dado vida ao ser, como se fosse um castigo por tentar ocupar o lugar de Deus e desrespeitar o sono eterno daqueles que já partiram.
O preço cobrado por isso foi alto, tanto é que Victor impõe a si mesmo a missão de encontrar o ser, esteja ele onde estiver, e colocar um fim à saga. É aí que vemos que toda a brilhante carreira médica que o aguardava que teve de ser deixada de lado para que ele pudesse lidar com as consequências de seus próprios e ambiciosos atos.
É um conto muito bom, que acho que tem potencial para agradar tanto os fãs de longa data do personagem como novos leitores como eu. Por ter sido um trabalho feito sob encomenda, muitas vezes pensamos que o autor não está dando o máximo de si naquilo, principalmente no quesito criativo, mas com certeza, não é o caso aqui.
Os demais capítulos
Após Frankenstein, temos algumas outras histórias no encadernado, todas bastante curtas. São elas: Funeral da Boneca do Inferno; Imobilizador Facial; Non-non, a Chefona; e Esconde-esconde da Non-non, a Chefona. A primeira delas, é uma das mais interessantes, acho até que daria uma história própria e mais longa, já que nela algumas meninas misteriosamente começam a passar por um processo de “bonequização”, ou seja, se transformam gradualmente em bonecas. Geralmente, elas são cremadas pelos familiares quando se transformam completamente, mas vemos aqui o que acontece quando a família se recusa a “dar um fim”, na boneca. É uma história mediana, tem uma ideia muito legal, ainda mais por ser exatamente o tipo de coisa que se espera do Junji Ito, mas acho que seria melhor aproveitada se fosse publicada com mais páginas, talvez até como um volume único.
Imobilizador Facial sim, é uma história curta que só funciona por ser pequena e fala sobre uma paciente que foi “esquecida” pelo médico em um aparelho no consultório, um bocado angustiante.
E por fim, as histórias da cachorrinha Non-non, que realmente existiu e pertenceu ao próprio autor. É interessante ver Ito se arriscando um pouco na comédia, que é bem sutil, e funciona. Se os mangás “Cat Diary” e “Dog Diary” seguirem essa mesma pegada, deve ser uma leitura bem interessante.
Considerações Finais
Eu recomendo Frankenstein, de Junji Ito, para todos os públicos. Para os que nunca leram nada do autor e têm interesse em conhecer seus trabalhos, para aqueles que já estão habituados com os trabalhos de Junji Ito, para os fãs do personagem criado por Mary Shelley e para apreciadores de horror em geral. Sem dúvidas, um excelente mangá, e o melhor de tudo, volume único.
Agradecimentos a editora Pipoca e Nanquim pelo volume cedido. Caso queiram adquirir a obra na Amazon.