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MB Animações: Hinamatsuri

 A figura da criança/adolescente é um dos elementos mais importantes em mangás/animes. Em geral, é possível observar que uma gama de produções, com os mais diversos públicos, tramas e valores investidos, tem como foco principal um núcleo de personagens que tem entre 12 e 16 anos. 

Esse aspecto em narrativas japonesas está muitas vezes ligado ao peso que essa faixa etária tem em suas vidas, visto que a vida adulta no Japão está envolta em uma forte pressão social. Dito isso, dificilmente temos uma boa representação desses personagens e seus dilemas, a narrativa geralmente se foca em trazer ideais e barreiras distantes da realidade do seu público, mas que servem a proposta de ser um guia ao seu público. 

Deixando de lado (ou não) essa introdução excessivamente grande, o texto de hoje é sobre Hinamatsuri, uma grata surpresa, e que embora tenha uma proposta absurda, desenvolve muito bem a relação entre adultos e crianças, ainda que se utilizando de comédia e situações absurdas. Antes de nos aprofundar, vamos falar sobre as características da obra.

   O anime de Hinamatsuri é adaptado do mangá de mesmo nome, publicado na Enterbrain Magazine Harta (seinen) entre 2010 e 2020, a obra é de autoria de Masao Ohtake e foi finalizada em 19 volumes. 

O anime foi produzido pelo estúdio Feel, que tem alguns bons animes em seu histórico (Oreigaru e Tsuki ga Kirei). Sua estreia foi na temporada de primavera de 2018, contando com 12 episódios e a direção ficou por conta de Kei Oikawa (Kono Bijutsubu ni wa Mondai ga Aru!). A direção é um dos pontos altos do anime, o encaixe da trilha sonora em cenas dramáticas e a utilização das expressões dos personagens gera momentos altamente chorosos.

A comédia também ganha um lugar especial na obra, é muito bem construída em questão de roteiro, se somando a boa animação nas expressões dos personagens e o absurdo das situações acaba tirando boas risadas do espectador. No Brasil, a animação está disponível pela Crunchyroll.

SOBRE A HISTÓRIA

Sinopse: Uma noite, um estranho objeto cai na cabeça de Yoshifumi Nitta, um membro da yakuza. Dentro da caixa está uma jovem garota estranha chamada Hina. Ela tem enormes poderes sobrenaturais, e Nitta se encontra relutante em levá-la.

     Hinamatsuri tem uma proposta absurda, mas suas discussões são passíveis de fácil identificação. Embora o absurdo na obra pareça compor apenas a  comédia, é possível traçar paralelos entre a caracterização das crianças da obra – centro das narrativas que acompanhamos – e a infância no Japão, visto que a necessidade de encaixar as crianças nas expectativa dos seus pais pode gerar um processo de instrumentalização. A ideia da destruição da infância acaba sendo uma discussão muito forte na história, surgindo na ação dos “pais” e mesmo do sistema econômico, embora possa soar exagero apontar essas conexões sinto que toda a proposta parece apresentar um forte subtexto.

NÓS SOMOS O AMBIENTE QUE VIVEMOS

       Inicialmente, somos apresentados à narrativa através do  encontro entre Nitta e Hina.  Nitta é um integrante da Yakuza, destoando muito da imagem que poderíamos esperar de um mafioso, é um cara generoso, que faz suas próprias tarefas domésticas e mantém uma pequena coleção de arte. Seu mundo muda quando uma garota dentro de um casulo alienígena aparece em sua sala, essa garota se apresenta como Hina e logo o convence (na base da força) a viver com ela. Hina é uma alien com poderes psíquicos, a relação de ambos começa cheia de problemas, mas é um deleite acompanhar seu desenvolvimento.

      Hina é um elemento de descontrole na vida de uma pessoa que tenta controlar tudo. É engraçado pensar que um ambiente familiar poderia se constituir nesse contexto, mas é o que percebemos e essa construção parte do reconhecimento de Nitta com relação a Hina. 

Devemos pontuar aqui que a narrativa dá a entender que Hina foi descartada do lugar de onde veio, antes era tratada como ferramenta, e a partir do momento que não funcionou da forma que queriam, foi descartada. Ser reconhecida como indivíduo acaba sendo um ponto importante para que Hina reconheça os outros, não que isso a torne alguém perfeito, em diversos momentos é visível o quanto a personagem pode ser egoísta e sem noção, e isso acaba indo de encontro a perspectiva de Nitta, que embora seja um personagem que parece se preocupar com todos ao seu redor, não deixa de ter seus momentos egoístas. 

Essa diferença entre ambos e a percepção de um sobre outro acabam criando um ambiente natural, as interações deles destoam muito da imagem de pais e filhos que são representadas em outras narrativas, mas está longe de ser algo ruim. As mudanças nos personagens nos cativa, porém, o mundo de Hinamatsuri não se resume a essas interações, Anzu e Hitomi Mishima, personagens secundários, recebem bons arcos posteriormente e reforçam o ponto que desejo discutir neste tópico.

      A Anzu é uma personagem que surge seguindo a linha da Hina, mas a diferença é que ela não cai na casa de um mafioso rico, servindo de paralelo com pessoas que estão à margem da sociedade. Seu desenvolvimento É muito satisfatório, o ambiente em que está inserida e suas interações com a “família” que acaba conhecendo acabam pautando muito das suas ações e sua crença do que é correto, o ter é importante, mas não resume o que somos, muito menos quem deveríamos ser. 

Aqui desejo apontar a intrínseca relação que o anime desenrola com o capitalismo, compreender a nuances desse sistema econômico deve se pautar em seus aspectos positivos, mas também apontar os elementos negativos. Nesse sentido, Anzu serve de contraponto à perspectiva de que devemos acumular e buscar a felicidade na abundância, mas também apresenta os impactos da falta de dinheiro e como a vida é cruel com alguns segmentos sociais. Pode parecer exagero dissertar sobre esses aspectos em uma narrativa tão leve, mas me soa equivocado, ou no mínimo inocente, dizer que essas mensagens não perpassam pela história, pelo contrário, a Hitomi Mishima é uma ótima representação desses aspectos.

Eu preciso espalhar pelo mundo esse sorriso!!

    Hitomi Mishima é apresentada na história como uma colega de classe de Hina, e devo dizer que é simplesmente uma das mais importantes e carismáticas personagens da obra. Seus dilemas começam quando a personagem se torna uma barman em um bar de uma amiga de Nitta, e sim, estamos falando de uma barman que ainda estuda no fundamental.

Uma das melhores sacadas de Hinamatsuri está na personagem, sua dificuldade em dizer “não” acaba carregando a personagem para o mundo adulto, e nesse ponto, a narrativa não a utiliza para fanservice ou algo assim, a personagem basicamente é envolta pelas mazelas do mundo do trabalho devido sua competência para mais diversas atividades. 

A sacada aqui, e que relacionarei com o título desse tópico, está na construção da personagem. Mishima é aquele tipo de personagem que geralmente é representada como a perfeição em pessoa, pouco sabemos do ambiente em que foi criada, mas sabemos do ambiente no qual está inserida na narrativa. Entre um trabalho e outro, a personagem lida com o peso do mercado de trabalho. E devemos aqui nos questionar sobre a entrada de jovens adultos no mercado de trabalho Japonês e a estrutura dele.

Lentamente, Hitomi é esmagada e em diversos momentos deseja ser uma garota normal. Com o passar dos episódios percebemos que isso não será possível, mesmo que a personagem protagoniza algumas das melhores cenas de comédia do anime, também carrega consigo o arco mais pesado e nos apresenta bem qual a discussão da obra.

Em dado momento de Hinamatsuri eu só torcia por mais expressões da Mishima

VALE A PENA?

      Hinamatsuri é um daqueles animes que parece crueldade de recomendar. É uma obra espetacular, seus personagens são carismáticos, sua história consegue trazer boas risadas, mas também emociona muito, além de ser muito bem dirigido e ter uma ótima animação. Infelizmente não tem uma conclusão, as expectativas são altas para uma segunda temporada, visto que a obra já finalizou no mangá e conquistou uma boa popularidade com sua segunda temporada, mas com uma sequência ou não, é uma obra que merece uma chance e certamente vai conquistar um espaço especial no seu coração.

PS: A openings de Hinamatsuri tem uma sacada muito legal, além da música ser bonitinha, a montagem tem algumas mudanças com o decorrer da história.

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