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MB Review: A Princesa e o Cavaleiro vol. 1

Um clássico de Tezuka, um dos primeiros mangás publicados no Brasil e uma história cativante. A Princesa e o Cavaleiro ganha edição repaginada à altura de sua grandiosidade. Uma obra que esquenta o coração – e no caso de Safiri, os seus dois corações!

Publicado originalmente em 1953, o shoujo clássico de Tezuka atravessou gerações encantando leitores de todas as idades. A nova edição da obra pela editora JBC repagina as aventuras de Safiri na Terra do Ouro e, apesar do preço, abre portas para novos leitores que queiram conhecer uma das principais histórias do Deus dos Mangás.

Com uma premissa simples, a obra encanta por seu enredo delicado e divertido. Antes de nascer, todas as crianças fazem uma grande fila e Deus escolhe se serão meninos ou meninas. Aos meninos, é dado um coração azul. Para as meninas, cor-de-rosa.*

O travesso anjinho Ching dá a uma das crianças da fila um coração azul e Deus, instantes depois, lhe oferece um coração rosa. E assim, por acidente, a criança parte dos céus com dois corações. Irado com mais uma das peraltices de Ching, Deus ordena que ele desfaça a confusão e retire o coração de menino da criança. 

Aqui em baixo, o nascimento do herdeiro da Terra do Ouro é aguardado por todos do reino. A jovem rainha e o amado rei aguardam ansiosamente por um menino, para que a linha sucessória ao trono se mantenha na família. Caso isso não aconteça, de acordo com suas leis, o próximo rei deve ser o filho abobalhado do Duque Duralumínio, um nobre de caráter duvidoso.

Por ironia do destino, a criança de dois corações nasce naquele reino como menina – afinal, o coração que Deus ofertou é o que vale! Porém, devido à confusão no nascimento  e para salvar o reino das garras do Duque canastrão, seus pais decidem tratar o recém-nascido como um menino! Esse é o destino de Safiri, metade do tempo menina e na outra metade menino. Ela aprende os afazeres femininos com sua ama, enquanto treina e toma lições de principado com seu professor. 

Assim começam as aventuras de Safiri na Terra do Ouro! O primeiro volume da nova versão da JBC reúne os primeiros dezesseis capítulos da obra e dá uma boa apresentação da trama.

Os primeiros capítulos são focados nas aventuras de Safiri, os personagens e o universo que serve de ambiente para a narrativa. Encontramos elementos clássicos das narrativas do período, muito bem desenvolvidos por Tezuka. Tropos como o vingador mascarado, a princesa indefesa a ser salva, a troca de papéis entre o nobre e o plebeu. O humor presente também é característico das animações da época, muito comum nos desenhos animados mudos e, claro, nas narrativas de Walt Disney. 

A admiração de Tezuka pela Disney e pelas produções do estúdio não é novidade para os leitores. O próprio autor é conhecido como o “Walt Disney do Japão”, por sua influência na indústria e por ter mudado a forma como as histórias são contadas. São vários os elementos presentes em A Princesa e o Cavaleiro que marcam esta admiração. A própria troca de papéis de Safiri, que precisa alternar entre príncipe e princesa, é construída com semelhanças narrativas à transformação da Cinderela. Outra referência clara às princesas da Disney é a transmutação da vilã Madame Inferno num grande dragão, tal qual Maleficent de A Bela Adormecida. 

Os quadros cartunescos e as cenas de ação e comédia são bem característicos das animações da primeira metade do século XXI, assim como a representação dos animais na obra. Mais uma forte influência nesta narrativa são os elementos da fé cristã. Certamente, a ideia de Deus e anjos é um forte indicativo disso, além dos vilões serem Madame Inferno e seu marido Satã, mas em vários momentos da obra os personagens fazem preces a Deus e a Jesus. Até uma imagem de Cristo crucificado e uma citação sobre seu nascimento são feitas neste primeiro volume. A fé e o cristianismo estão presentes na narrativa, mas nada direto ou dogmático. Sempre sutil e delicado. 

Outra característica curiosa na obra são as inspirações para os nomes de personagens. Tezuka usa para seus personagens principais nomes de pedras preciosas (Safiri, Rubi) ou materiais sintéticos (Plástico, Nylon).

A narrativa é dinâmica e, mesmo com pequenas aventuras individualizadas, a história não se perde em pormenores. Safiri vai de garota misteriosa a príncipe esgrimista, a prisioneiro numa torre, vigilante mascarado, infiltrado na corte, inimigo do reino vizinho, perseguido por uma bruxa e tripulante de um navio pirata. Parece muita coisa? E é! Mas nada fica perdido, acelerado ou deslocado. As aventuras de Safiri são bem construídas em episódios com muita graça.

A edição física da JBC está primorosa. Embora o preço seja bem elevado, é uma edição com todo o capricho e o zelo que a história pede. Acabamento em hot stamping na sobrecapa, ilustrações coloridas e tratamento especial para as imagens. As novas dimensões do mangá favorecem a arte de Tezuka, algo que não era possível no meio tanko publicado anteriormente pela mesma editora aqui no Brasil. Agora, com uma encadernação melhor e maior, os detalhes empregados na arte ficam em evidência e enobrecem a experiência da leitura.

* Como já citado, essa é uma obra dos anos 50 e essa visão dicotômica faz parte do contexto histórico da época em que foi concebida. Temos plena consciência de que tal binarismo passa atualmente por uma desconstrução.

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