MB Review: Enigma

A impressão geral sobre Enigma é a de uma obra com uma boa ideia, mas com uma execução não muito boa.

O mangá da então estreante Kenji Sakaki, que antes tinha trabalhado como assistente de Akira Amano (Katekyō Hitman Reborn!), foi lançado nas páginas da Weekly Shonen Jump em setembro de 2010 e sua publicação durou pouco mais de um ano. Conta com 56 capítulos compilados em 7 volumes (tankōbon), lançados no Brasil pela editora JBC em 2015.

No primeiro volume somos apresentados a Sumio Haiba, colegial comum de Tóquio que possui um segredo. O Diário dos Sonhos. Subitamente Haiba é tomado por um sono incontrolável e quando adormece sua mão esquerda escreve em um caderno eventos que estão prestes a acontecer, acompanhado de data e uma ilustração rústica.

Geralmente estes acontecimentos são pedidos de socorro e Sumio Haiba usa sua habilidade para evitá-las. Assim, demonstra sua recusa em submeter-se a estes destinos. Contudo, as previsões nem sempre são de fácil compreensão, uma vez que não contam com nomes ou horários específicos.

No início da obra encontramos um diferencial que foge dos tradicionais protagonistas detentores de segredos. Sumio não esconde sua habilidade a sete chaves. Sua melhor amiga, Shigeru Kurumiya, e também sua mãe, Mina Haiba, têm conhecimento desta condição e enquanto a primeira o ajuda a evitar tais acontecimentos, Shigeru estuda incansavelmente para descobrir a origem deste talento de seu filho.

Quando Sumio Haiba prevê que uma conhecida sua, de cabelos compridos, seria raptada por um buraco negro em um elevador, e que o culpado disso seria um tal de Enigma, Haiba tem certeza de tratar-sr de Kurumiya. Mas ao chegar na casa de sua amiga a encontrou sã e salva. Isso faz com que se recorde de que sua mãe, embora tenha cabelos curtos, usa uma peruca para trabalhar como Hostess, em um clube perto de onde estava. Corre até o local para tentar salvá-la, mas chega tarde demais.

Por não encontrarem nenhum parente que pudesse acolhê-lo, Haiba acaba em um hospital onde pode passar a noite. Mas quando acorda na manhã seguindo percebe que está no ginásio esportivo de sua escola, junto a sua amiga Kurumiya e outros cinco alunos de diferentes turmas: Moto Hasekura, Jirou Matsurigi, Hina Kujouin, Takemaru Sudou e Aru Mizusawa.

A cidade está toda escura, os celulares sem sinal e os amigos estão presos na escola. Uma imagem é projetada na parede do ginásio e nela aparece uma caveira com a mandíbula invertida, que se apresenta como Enigma.

Enigma anuncia que os sete alunos participarão do E-TEST, um teste de aptidão para medir a verdadeira natureza de seus participantes. O objetivo dos envolvidos  é fugir da escola e para isso terão que concluir sete desafios para conquistar as sete chaves, uma para cada um deles. Para concretizar este objetivo, precisam contar uns com os outros e com seus próprios talentos.

A recompensa para a conclusão do E-Test será a realização de um desejo pessoal, que no caso de Haiba é ter sua mãe de volta. Estão cientes de que Haiba possui o Diário dos Sonhos, no entanto, ele e Kurumiya desconhecem qualquer habilidade especial que a garota possa ter e acreditam tratar-se de um engano.

Até este exato momento eu acreditava estar diante de uma daquelas obras bem elaboradas, complexas, ao estilo de Death Note, Liar Game ou até mesmo Another e Doubt. Mas é aí que o sonho vira uma bagunçado em um emaranhado de clichês. E não, não estou culpando o mangá pela minha falta de compreensão. Acredito poder provar.

As missões propostas por Enigma são elaboradas de maneira a forçar cada um dos participantes a usarem seus talentos. Os quatro volumes seguintes focam em nos mostrar os desafios enquanto descobrimos as habilidades de cada um dos personagens. Como o teste possui um prazo limite para ser concluído, os participantes decidem se dividir em grupos para conseguir as chaves de forma mais rápida. O problema é que cada chave possui um desafio específico, mas coincidentemente, assim ao acaso, cada um dos alunos para exatamente no desafio que exige a habilidade que possui. As habilidades que são bem criativas, mas estas coincidências fazem da situação um incômodo.

Para trazer um tom ainda mais sobrenatural para o mangá, é revelado que os corredores da escola estão tomados por shadows, sombras que capturam e invertem a natureza de suas vítimas conforme as consomem. Ao se tornarem peça essencial no plot que envolve o personagem Jirou Matsugiri, o presidente do conselho estudantil, os shadows são esquecidos e ignorados quase que totalmente enquanto os alunos correm livremente pelos corredores. A explicação para o que são essas criaturas também não é lá muito satisfatória. São ex-alunos que falharam ao E-Test e simplesmente ninguém liga pra eles.

A medida que conhecemos os demais personagens, justo dizer que cada um deles possui diferentes e interessantes histórias e motivações, Sumio Haiba acaba conquistando a amizade e confiança de cada um deles. maque deveria ser motivo de parceria, torna-se uma dependência: ele vai, ele faz, ele inspira coragem, ele decide. Se preciso, pode até se sacrificar. Sumio isso, Sumio aquilo. Pelo Sumio. Para o Sumio. Quase sempre soa forçado. Frases novelescas como: “O que você pretende, Enigma” ou “Você vai pagar pelo que fez, Enigma” são caricatas e aparecem aos montes.

Ainda sobre coisas que incomodam. Os personagens são extremamente perspicazes em situações complicadas e absurdamente ingênuos para situações óbvias, como por exemplo: notam de cara que a pele desprendida de um personagem pode rebobinar algo, mas levam o máximo de tempo possível para decidirem entre incendiar um amigo ou uma senha em uma fornalha, quando podiam quebrar a parede e salvar ambos. Este exemplo ainda não faz jus ao que estou querendo dizer.

Alguns novos personagens são apresentados ao longo da trama. Entre estes temos Kirio Imizuka, Yuuta Kijima e Kei Suuki, o melhor deles, um aluno viciado em assuntos relacionados a ocultismo. 

Quando chegamos ao terceiro volume a história sofre uma aceleração. Talvez este seja o motivo de a autora, cada vez mais, jogar informações e mais informações uma sobre a outra, tornando o leitor quase incapaz de compreender o que está acontecendo. Não por ser complexo, mas por estar bagunçado. 

Quando o E-Test finalmente acaba, no quinto volume, a revelação da identidade do Enigma e sua real motivação são totalmente anticlímax e pouco convincentes. 

No sexto volume um novo arco, focado em Haiba, tem início. Um novo grupo de pessoas com talentos é reunido para mais um teste, só que agora sem pé nem cabeça, com nenhuma empolgação para que o lê.

Acredito que o arco tenha sido algum tipo de último suspiro, uma provável tentativa de os editores salvarem o título de um cancelamento quase certo. São cinco participantes em um trem, precisam descer em casa uma das estações e conseguir tickets para que possam continuar a viagem até sobrar apenas um membro. Ainda precisam lidar com o fato de existir um impostor entre eles. Impostor cuja revelação é tão óbvia que por si só torna o arco uma perca de tempo.

O mangá termina no capítulo 55, com um final que podemos até considerar OK, embora longe do esperado. Algum tempo depois, um 56º capítulo intitulado Final Verdadeiro foi lançado. Nele a conclusão da obra é reelaborada para uma espécie de fanservice. Algo que ao meu ver faz com que a obra tenha ainda menos méritos.

Concluindo, Kenji Sakaki possui uma arte impecável, uma das melhores que já vi na Jump, além de uma enorme capacidade de criação e apresentação de seus personagens. No entanto, peca na hora de desenvolver seu roteiro e expor suas idéias, o que faz de Enigma um mangá muito promissor, mas perdido em seu desenvolvimento.

Após o final de Enigma, Kenji Sakaki lançou em 2012 um One-shot chamado Paradise Rule e posteriormente, entre 2015 e 2018, uma serialização chamada Love Dester pela Shonen Jump +. Quando Love Dester chegou ao fim com 127 capítulos e 12 volumes, surgiram boatos de que a mangaká teria abandonado o ramo. No entanto,  começou recentemente, no dia 29/05/2022, uma nova série de horror e suspense chamada Shin Tokyo (Deep Tokyo), também pela Shonen Jump +.

Não cheguei a ler Love Dester, mas sua longevidade mostra uma maior aceitação por parte do público. Agora com mais experiência, Kenji Sakaki tem talento e criatividade suficientes para fazer com que estejamos diante de um título muito promissor com Shin Tokyo. Já Enigma, vale como uma leitura descompromissada para passar o tempo, desde que o leitor esteja ciente de que não entrega tudo aquilo que promete.

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