MB Especial: A lei do preço fixo, uma breve análise

Texto por Ana S. e Nivea

Vocês já ouviram falar sobre a Lei do Preço Fixo? O projeto estabelece que todo livro¹, inclusive digital (e aí também entram HQ´s, mangás e afins) receba da editora um preço fixo, com até no máximo 10 % de desconto sobre o preço de capa e que terá validade de um ano a partir de seu lançamento ou importação.

De acordo com o SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), tal medida não visa controlar os preços, mas sim reduzi-los, seguindo o exemplo de outros países que adotaram medidas semelhantes. A prática do FBP² possui diferentes regimes entre os países, mas alguns que já utilizam seus métodos são a França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Áustria, dentre outros. Mesmo nos países citados, não há literatura suficiente que confirme uma redução de preços significativa após a implementação das regras. Entretanto, em países como o Brasil, os descontos agressivos sobre os preços de capa, praticados por gigantes varejistas, embora atrativos e muitas vezes necessários para a maioria dos consumidores, têm prejudicado pequenos comerciantes, editoras e autores.

No Brasil, apesar do produto final ser isento de impostos, considerando a imunidade tributária de livros³, o processo de fabricação requer a utilização de máquinas e insumos que dependem da importação ou são influenciados diretamente pela taxa de câmbio. Como exemplo, o Brasil é produtor de celulose, mas com a desvalorização do real, o efeito esperado é que a celulose não se concentre no mercado interno, causando escassez de papel no Brasil. Portanto, são diversos os fatores que determinam os preços dos livros e afins.

E apesar do aumento exponencial na variedade de títulos disponíveis no mercado brasileiro, temos um produto cada vez mais caro, fazendo com que o público reveja suas prioridades de consumo, optando por adquirir menos títulos ou aguardando as já conhecidas promoções, onde é possível comprar obras lançadas há poucos meses com descontos de 70% ou até mais. Embora o Brasil apresente um índice de leitura abaixo da média mundial, o cenário complexo e multifatorial também é um reflexo de salários baixos e um poder de compra limitado, afetando nosso acesso à cultura de forma geral.

Do ponto de vista do consumidor, descontos massivos são vantajosos, possibilitando a continuidade de coleções ou aquisição de novidades. No entanto, os pequenos comerciantes alegam dificuldades em manter uma concorrência justa, pois não possuem recursos para adotar as mesmas práticas, e com o passar dos anos o cenário pode contribuir para a formação de cartéis que controlariam as vendas, sem possibilidade de concorrência entre pequenos vendedores ou editoras e autores independentes. Ao mesmo tempo, algumas editoras se queixam de uma queda nas pré-vendas, muitas vezes fundamental para viabilizar processos editoriais. A lei não deve, portanto, ser avaliada por uma única perspectiva, já que sua aplicação poderia afetar distintamente entidades diversas.

Embora a SNEL faça uma associação entre a medida e uma possível diminuição do preço de capa de lançamentos, a obrigatoriedade de redução não é prevista no projeto, e sem uma mudança nos custos de produção ou fiscalização de práticas de preço, é incerto esperar uma redução. 

A Lei conta com um artigo específico sobre difusão do livro (artigo 11), mas que possui incisos subjetivos e de difícil controle. Há, entretanto, menção específica sobre o estabelecimento de uma tarifa postal reduzida para o livro brasileiro. Um dos resultados esperados, que é tornar o livro acessível através do aumento dos pontos de venda, pode não ser alcançado, pois dentro de uma realidade em que para a maioria das pessoas esse tipo de despesa é considerada supérflua, não haverá outra solução a não ser aguardar 1 ano para que os descontos sejam mais atrativos, ocasionando em vez de uma redução, um aumento nos preços de capa devido a uma pior adesão dos leitores, que podem recorrer a métodos alternativos de leitura, ou mesmo desistirem da leitura em si. 

Além disso, questiona-se que uma possível falta de controle rígido nas regras não impediria o uso de outras estratégias predatórias, como uma grande empresa inicialmente estipulando preços fixos abaixo do mercado para desestabilizar concorrentes.

É uma necessidade urgente a adoção de medidas que possibilitem a estabilidade e expansão de um mercado tão relevante quanto o literário, mas isso deve ser realizado com cautela para que os resultados sejam positivos e duradouros, possuindo controle rígido e incluindo explicitamente seu caráter social, para que não seja uma medida para crescimento de vendas sem um verdadeiro benefício para o consumidor. E ao replicar práticas adotadas em outros países, deve-se levar em consideração os fatores distintos acerca da realidade econômica e hábitos dos brasileiros.

Reconhecemos a necessidade de preservar os pequenos comerciantes e editoras dentro de um mercado tão voraz quanto este, porém sem deixar de buscar benefícios para o público. Visto que livros são um instrumento de conhecimento, cultura e entretenimento e sua acessibilidade para a população como um todo deve ser tão levada em consideração quanto, e com regras concretas que avaliem a boa aplicabilidade de benefícios para os leitores.

O estímulo para novos pontos de venda é válido, mas o leitor não pode ser considerado unilateralmente errado por querer um benefício de preço, principalmente considerando os aspectos socioeconômicos da população. Mesmo com a possível abertura para novas obras, não há certezas em um estímulo que não garante que o leitor de fato conseguirá pagar um novo livro em um cenário desconhecido, e em um contexto onde existem diversas críticas a respeito do preço versus qualidade dos produtos impressos atualmente. Não é responsabilidade do leitor arriscar sua capacidade de adquirir os livros em prol de um futuro incerto para que o mercado seja estimulado pelas medidas de salvaguarda. Por qual motivo a manutenção dos mercados deve acontecer pelas custas da população que já é acometida pela falta de acesso à cultura? Diferentemente do que ocorre em países onde a leitura é amplamente facilitada.

A situação hipotética não garantirá preços mais baixos se as mesmas grandes empresas continuarem ditando as demais regras do mercado, inclusive quanto o leitor deverá pagar.

¹ Para efeitos legais, é livro ou sua equiparação o que consta na Lei nº 10.753/2003, em seu artigo 2º.

² Fixed book price, políticas de manutenção de preços, podem ser adotadas em formatos legais ou através de acordos específicos.

³  Protegida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, VI, d.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 49, de 2015. Institui a Política Nacional do Livro e regulação de preços. Brasília, DF: Senado Federal, 2015. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/119760

NAKAYAMA, Moè. For What It’s Worth: Fixed Book Price in Foreign Book Markets. Publishing Trends, 2015. Disponível em: https://publishingtrends.com/2015/05/for-what-its-worth-fixed-book-price-in-foreign-book-markets/

WILLIAMS, Rhys J. Empirical Effects of Resale Price Maintenance: Evidence from Fixed Book Price Policies in Europe. 2023. Disponível em: https://rhysjwilliams.com/files/RPM.pdf

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