MB HQ’s: Ei, Espera…

“Ei, Espera…” me foi uma surpresa. Ler Jason “no escuro”, sem saber muito mais do que o necessário, foi um salto de fé muito grande – que hoje penso que não devia ter tomado tão subitamente, dado ao tema. A editora Mino fez um trabalho primoroso nessa e nas demais obras do autor e, já que era para iniciar a leitura de Jason, comecei pela sua obra de estreia. 

Engana-se quem possa achar que Jason utiliza seus personagens antropomórficos – seres inumanos atribuídos de características humanas –  e sua realidade criativa para eufemizar suas narrativas. Pelo contrário, a marca registrada do autor engrandece as histórias, mostrando-nos que para se ter uma narrativa dignamente  humana – e pungente – não é preciso retratar humanos.

Uma leitura rápida. Páginas bem preenchidas com sua característica quadrinização em seis quadros e pouquíssimos diálogos e explicações, “Ei” é uma obra visual, uma crônica da vida dividida em duas partes e marcada pela tragédia. Tragédia essa que hoje, mesmo depois de semanas após a leitura, ainda me deixa reflexiva e melancólica apenas com a lembrança. 

Parte Um

Jon e Bjorn. Dois amigos, em idade escolar, vivem uma rotina infantil tranquila e corriqueira. Aqui, a arte simplista de Jason deixa tudo mais bonito de se acompanhar. Sem uma linearidade bem estabelecida, são recortes do dia a dia dos garotos enquanto brincam e passam o tempo. São sutilezas que demonstram o passar do tempo e a conexão dos meninos. E temos o primeiro corte.

A história foi dividida em duas partes. A primeira, dedicada a esse cotidiano, é marcada por uma ruptura brusca, que desencadeia toda a segunda parte. Sendo assim, a partir do trecho a seguir, haverão spoilers consideráveis sobre a narrativa. Se você, assim como eu, quer ler “Ei, Espera…” no escuro, sugiro que não prossiga com a leitura. Eu não sabia sobre o que se tratava, até porque na capa e nas sinopses não se relata nada sobre essa divisão da história e é difícil continuar a escrever sem citá-la, pois é a partir dessa conjuntura trágica que podemos analisar e refletir sobre diversos pontos. 

O corte

Os meninos decidem fazer um Fã-Clube do Batman. E, para entrar no fã-clube (que certamente teria só dois membros), é preciso passar por um desafio! Se balançar no galho de uma árvore que fica sob um barranquinho. 

Isso me tocou de uma forma indescritível. Quando eu era criança – e eu acho que você também, se você foi uma criança dos anos 90 – era comum fazermos esses “clubinhos”. O meu era com minha irmã e minha prima e a nossa sede era no quartinho da minha avó. O desafio para entrar no clube era subir no telhadinho desse quartinho. Claro, eu era a menor, não conseguia subir no telhadinho, mas eu queria muito e coloquei um estrado de uma cama velha para servir de escada e consegui. Subi no telhadinho. 

O desafio de se balançar no galho é proposto por Jon, que executa a manobra com facilidade. Bjorn fica ansioso para que chegue a vez dele e, no que parece ser o dia seguinte, decide que irá fazer o desafio também. Eles vão para a floresta e Bjorn dá o pulo para agarrar-se no galho e… 

  • Ei! Espera!

Eu ainda agora encaro essa página e me falta o ar. As páginas seguintes são do velório de Bjorn e, nos últimos quadrinhos da parte um, Jon está caminhando com a amiga que o consola, dizendo que o que aconteceu não era culpa dele. E, neste momento, Jon “espirra” e no próximo quadro já é um homem (ou cachorro coelho?) adulto. Um quadrinho, uma mensagem com um peso gritante. O que o arrependimento e a culpa fazem com a vida de alguém? 

Parte Dois

Na segunda parte da obra o autor abraça a falta de linearidade e transita no tempo, indo e vindo em momentos que mais parecem lembranças, com coisas que são futuras ou presentes, não fica claro nem certo. E isso é incrível. Essa forma de narrativa não linear que mais parece uma viagem no tempo da vida adulta de Jon faz sentido nas últimas páginas, em que o protagonista conversa com um determinado personagem. Remete à primeira parte e a rotina tranquila das crianças, pois aqui, cada conjunto de quadros retrata uma parte da vida e da rotina de Jon, que agora é vazia, com mais tons pretos e mais monotonia. 

É como um filme que passa rápido e vemos flashes desconexos mas que representam uma vida vazia, marcada pela tragédia. Jon vive os dias iguais, todos os dias. Naquilo que se reserva de diferente, entre o trabalho mecânico e a solidão de estar em casa, são poucos os demais momentos em que ele está acompanhado ou interage com alguém. Os dias passam iguais. E isso dói. 

Tem um quadrinho em específico nesta segunda parte que me bateu como um soco na cara. Jon retorna já mais velho ao barranquinho. No quadro seguinte, Jon é criança e o galho que se pendurou não está mais lá. Jon, criança, pula do barranquinho. A Morte aparece no quadro seguinte, aponta para baixo e ri. Jon falhou ali. Apenas Bjorn teve seu destino trágico traçado ao saltar no desafio. 

E, depois dessa página, algumas coisas ficam mais nítidas e as reflexões sobre toda a obra ficam mais palpáveis. É uma história sobre um luto constante, uma culpa avassaladora e uma vida desmantelada pela depressão pós-traumática. 

Ainda sobre a Morte, ela aparece em três momentos da história. Na cena acima, ainda na parte um, momentos antes de Jon encontrar Bjorn. Na cena que descrevi no parágrafo anterior, quando Jon tenta pular do barranquinho e nas últimas páginas, enquanto conversa com Jon no fim de sua vida. Uma vida curta, triste e vazia por conta de uma tragédia que poderia acontecer com qualquer um de nós, mas que ocorreu e o corroeu de forma profunda. Isso nos faz refletir sobre como a vida é efêmera. Ei, Espera… nos faz refletir sobre como tudo pode mudar em um corte brusco, como isso pode acarretar em consequências longínquas e em como é difícil superar perder alguém. 

A edição física da editora Mino é graciosa. A qualidade incomparável de impressão favorece a arte e deixa os contrastes do autor bem marcados. Mas o que eu preciso mesmo pontuar aqui é a sagacidade (ou seria frieza) de quem pensou no brinde da edição. Num primeiro momento eu achei gracioso, olha só, um cartãozinho de fã-clube do Batman! Opa, é do Bjorn… uma carteirinha de fã-clube… do Bjorn…. e agora todas as vezes que eu olho pro cartão meus olhos ficam marejados. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *