MB Review: Mao, de Rumiko Takahashi
Não é, de forma alguma, um exagero comentar que Rumiko Takahashi é uma das, se não a, mangaká mais influente da história do Japão. Além de emplacar diversos sucessos e estar na lista de pessoas mais ricas de seu país, em 2018, a autora entrou para o Hall da Fama do prêmio Eisner, o Oscar dos quadrinhos.
Apesar disso, a última vez que a autora deu as caras aqui nas nossas terras foi em 2013, com o encerramento de Ranma ½ . Após quase 10 anos sem suas obras no Brasil, chegamos a uma dose dupla. Enquanto a editora JBC trabalha no relançamento de sua segunda obra mais famosa, Inuyasha, a editora Panini decidiu trazer sua obra mais recente, MAO, talvez pensando em já pegar o embalo do sucesso que o mangá tem feito no Japão e uma possibilidade de um anime por agora, já que o mangá alcançou 100 capítulos. E, enquanto as aventuras de Kagome e Inuyasha terão sua resenha própria, vamos falar hoje de Mao-sama e Kiba Nanoka.
A Premissa
Kiba Nanoka é uma estudante que acaba sofrendo uma experiência de quase morte na qual ela é a única sobrevivente. Anos se passaram e ela, agora no ensino médio, não tem lembranças direito do que aconteceu naquele dia. Porém, passando por uma galeria comercial, Nanoka se vê em um lugar diferente. Na era Taisho, por volta de 1930. Ali, ela se encontra com Mao, um mestre das artes místicas, e sua aventura realmente começa.
Inuyasha 2.0?
Acho justo que, para começar, tiremos o gigantesco elefante que está na sala. Lendo esta premissa, muitas pessoas que já conhecem o trabalho da autora podem achar que é um Inuyasha 2.0, porém, apesar de ter algumas semelhanças, elas existem apenas na premissa de “uma garota viajando no tempo e se encontrando com um ser místico num mundo com yokais”.
Iniciando pela diferença mais clara entre as duas obras, falemos dos períodos históricos. Enquanto Inuyasha se passa no Período Sengoku (1467–1573), MAO utiliza-se do fundo histórico da Era Taisho(1912–1926). Em outras palavras, enquanto um tem o pano de fundo medieval, o outro é bem mais contemporâneo em sua ambientação e, para aqueles que estão acostumados com romances de época, sabe que isso é o bastante para alterar muita coisa. Principalmente pois uma das maiores transições histórico-culturais japonesas ocorreu entre estas épocas, mais precisamente entre 1867 e 1868, quando o Japão passou de um país feudal para um Império.
A título de curiosidade, Kimetsu no Yaiba também se passa na Era Taisho, então a ambientação de Mao segue em sua semelhança de uma civilização menos ruralizada. Diferente do que vemos, por exemplo, nas obras de Hiroshi Hirata (O preço da Desonra e Satsuma Gishiden), lançadas aqui pela editora Pipoca e Nanquim. Isso porque ambas as obras do Hirata se passam mais ou menos 200 anos depois da ambientação de Inuyasha, assim sendo mais próximas a esta.
Com o contexto histórico tão diferente como este, já é o suficiente para se criar uma história completamente nova, caso seja abordada de forma realista todas as questões político-sociais da época. Porém, as diferenças entre ambos vão mais além e diria que a maior delas é justamente o ritmo, mas isso vamos falar mais pra frente. Dito isso, farei o mínimo de comparações para que MAO possa brilhar por si mesmo.
Desenvolvimento
Este primeiro volume, além de servir como um bom ponto de partida para os personagens, também adiciona algumas camadas de mistério à trama principal. Nos pontos que Nanoka começa investigando sobre seu passado vão ganhando cada vez mais contornos e nuances e se encaixando com a ideia de Mao, que é de caçar um Byouki, um gato demônio que o amaldiçoou. Pelo menos se tratando desse primeiro volume, ainda não é o bastante para que você fique completamente envolvido pelo mistério, mas é divertido vê-lo sendo solucionado ou chegando a mais pistas.
Apesar de alguns diálogos expositivos desnecessários e a repetição constante de “Byouki” (a palavra mesmo. Ela é repetida constantemente), o ritmo da história é gostoso de se acompanhar, sem ser muito frenético nem completamente parado, dando esse toque investigativo aos personagens. Sendo assim um ótimo contraponto a Inuyasha, que em seu primeiro volume já havia acontecido diversas coisas. E é justamente neste ponto que eu havia dito acima sobre ritmo e que eu acredito que esteja relacionado a melhor e maior diferença entre as obras.
Diversos críticos de cinema dizem que, quando você está assistindo algo, o filme deve te mostrar como é para ser compreendido. A obra ensina o leitor como você deve lê-la. E Rumiko faz isso com maestria justamente com as diferenças entre os dois mangás que são tão alvo de comparação.
Enquanto Inuyasha, logo no começo, se demonstra como uma série de ação frenética com comédia, com direito a um personagem voltado a uma personalidade de anti-herói, aqui, em MAO, vemos uma pessoa bem diferente, que mesmo assolado pelo passado demonstra uma bondade gigantesca, trazendo um tom mais de seriedade a esta obra, além de uma maturidade muito maior do que o nosso meio-youkai favorito.
Lendo apenas este primeiro volume, não dá pra dizer exatamente se esta obra irá mais para um caminho voltado a combates e ação ou mais de mistérios com uma pegada mais intimista, pois além desta ambientação dar espaço para ambas as possibilidades, a autora já se provou plenamente capaz de trabalhar tramas intimistas, com Maison Ikkoku, assim como cenas de ação interessantes, como diversas cenas de Ranma ½ . E, agora partindo para uma completa especulação de quem não leu os outros volumes ainda, acredito que irá justamente para um meio termo, sendo sim uma obra mais séria do que a parte cômica da autora, mas também tendo suas doses boas de cenas de ação, assim como já teve até o momento.
Vale comentar também que não é apenas o personagem de Mao que tem seus pontos positivos no decorrer da história, mas Nanoka também se mostra uma personagem interessante, sendo ativa tanto na parte mais aventuresca quanto em entender sobre o passado, sendo uma grata surpresa, visto que uma das críticas que mais havia sobre a autora era sobre a alta dependência que as personagens femininas foram adquirindo dos homens após Ranma ½.
O ponto fraco deste volume, para mim, é a arte. Sei que muitas pessoas não gostam da arte de Rumiko que é bem característico, mas eu particularmente adoro, mas neste volume são diversas as cenas em que o traço dos personagens meio fica tremido em seus contornos. O design, tanto dos personagens quanto dos cenários, são bem feitos, nada tão chamativo mas nada tão extravagante.
Destaco uma questão sobre o personagem Mao que pode ser ignorada por falta do costume cultural japonês. No Japão, culturalmente falando, a cor branca simboliza diversas coisas relacionadas a pureza, porém, em algumas tradições, também simboliza a morte, sendo esta vista em um sentido mais espiritual e sagrado. No flashback apresentado do personagem Mao, antes deste ter sido transformado por um Byouki, seu cabelo era preto por completo. Atualmente, a grande mecha branca em sua cabeça pode ser uma escolha estética justamente para mostrar sua relação com a espiritualidade. Não seria a primeira vez que isso acontece em mídias japonesas. Um outro exemplo de mangá que fez isso é Cavaleiros do Zodíaco, já que Máscara da Morte, o cavaleiro de câncer que literalmente leva seus oponentes ao inferno, tem o cabelo acinzentado quase branco no mangá.
Conclusão
Não. MAO não é um Inuyasha 2. Se você estava com essa impressão ou com esse preconceito, pode jogá-lo pela janela, tacar fogo ou fazer qualquer coisa assim. MAO consegue, apesar da premissa semelhante, ter sua própria identidade com personagens novos e uma trama que demonstra ser um trabalho mais maduro e mais tenso da autora, trabalhando com linhas que podem vir a se tornar mistérios interessantes.
Apesar disso, ainda mantém as características clássicas que consagraram Rumiko Takahashi como uma das maiores de sua arte, então, se gosta dessa fórmula, vai ser um prato cheio. Se não a conhece, pode ser uma excelente porta de entrada. O mangá atualmente está em publicação com 10 volumes lá fora e a pretensão de em breve ter um anime.