MB Literário: Fireworks – Nós deveríamos ver a novel vista de lado ou com luzes no céu?

Os fogos de artifício são perfeitamente redondos ou, se forem vistos de um ponto de vista específico, são achatados?

Em meio a uma pergunta um tanto quanto absurda dessas, duas histórias se desenvolvem: Fireworks – Luzes no Céu e Fireworks – Luzes Vistas de Lado. Devido às suas similaridades, vamos fazer uma resenha dupla, explicando porque a história é basicamente a mesma e comentando o que achamos de ambas, aproveitando que a editora NewPop lançou esta segunda versão agora em Julho.

Duas histórias idênticas. Ou quase isso.

Para entender melhor essa confusão, vamos para 1993, numa série japonesa chamada If: Moshimo, drama episódico que contava histórias pegando elementos do dia-a-dia. Um desses capítulos, o 16º para ser mais exato, se chamava “Fireworks, Should We See It from the Side or the Bottom? (Fireworks – Nós deveríamos ver fogos de artifício de lado ou de baixo?, tradução nossa). O episódio em questão foi escrito e dirigido por Shunji Iwai e chegou a ser premiado, além de ganhar até um documentário.

Em 2017, decidiram fazer uma versão animada desta premiada história, alterando algumas coisas para se adequar melhor a nova mídia e para chamar atenção do público. Apesar das críticas mistas, o filme foi um sucesso de bilheteria e, por isso, convidaram o roteirista do filme, Hitoshi One, para transformar o roteiro do filme em um livro. Este livro é Fireworks – Luzes no Céu, que a editora NewPop lançou aqui em 2020.

Então isso quer dizer que, se a primeira novel é baseada no roteiro da animação, a outra história é a novelização do original, né? Não exatamente…

Também em 2017 foi lançada a novel Shounen-tachi ha Hanabi Yokokara Mitakatta (em tradução livre, “Os garotos que queriam ver os fogos de artifício de lado”) escrita por Shunji Iwai, o mesmo criador da história original. E é justamente essa história que veio para o nosso país esse ano com o nome de Fireworks – Luzes Vistas de Lado. Não é necessariamente a mesma história que originou isso tudo, mas é completamente focada no drama original, então não é equivocado dizer que a animação e a outra novel são baseadas nesta, sendo esta a “história original”, como anunciada pela editora.

Então, agora que as coisas ficaram um pouco mais claras, vamos começar falando da primeira novel que chegou ao Brasil.

Luzes no Céu

Norimichi é um garoto de 13 anos, vivendo na cidade de Moshimo. Junto com seus 3 amigos, tem o costume de fazer apostas, muitas vezes feitas sem pensar muito e para pegar no pé de alguma pessoa. Norimichi sente que está cansado disso, que está crescendo e todo esse jeito de agir não o deixa mais confortável como antes, mas segue sua vida. Além disso, com a chegada da puberdade, tem visto mudanças em sua percepção referente a uma garota de sua sala, Nazuna Oikawa.

Quando está indo para a escola, Norimichi vê Nazuna ao longe, na praia, segurando algum objeto. A visão o distrai, mas logo volta a pedalar, afinal, apostaram quem iria chegar primeiro no colégio. Já na escola, ele e Yusuke, seu melhor amigo, começam a conversar enquanto aproveitam um momento na piscina e o nosso protagonista percebe que seu melhor amigo, além de também gostar de Nazuna, está disposto a se declarar para ela caso ganhe uma corrida de 100m na água. 

Adiantando um pouco a história, até para que esta resenha não seja uma narração apenas do que acontece, o objeto que Nazuna havia pego na praia era um orbe, que se revela como um item sobrenatural, podendo causar uma viagem no tempo no melhor estilo Feitiço do Tempo (1993). Assim como em Your Name, a história é um romance entre os dois protagonistas com esse ponto sobrenatural, brincando bastante com a dúvida mais comum de todos nós: E se?

E se eu tivesse tomado outro caminho? E se eu tivesse coragem pra correr atrás dela? E se eu tivesse ganho aquela aposta? Cada possibilidade chama a nossa atenção enquanto acompanhamos Norimichi lidando com os desdobramentos de acontecimentos que desconhecia sobre seus amigos – e que não entrarei em detalhes justamente para evitar spoilers. Tudo isso sendo intensificado justamente pela impulsividade característica da adolescência.

E acho que não estaria errado em dizer que a narrativa desta obra é baseada e muito na impulsividade. A história deixa claro como ambos os personagens estão naquela famosa fase de “tentar ser adultos”, enquanto não entendem o “mundo real” e acham que tudo vai se resolver com um pensamento otimista. O próprio conflito de Nazuna, que é um dos pontos centrais da trama, apesar de palpável e realista, não seria o bastante para fazer uma pessoa com mais vivências tomar as atitudes que a garota tomou.

A questão sobrenatural, infelizmente, acaba desandando quando se aproxima do terceiro ato e a resolução é feita sem explicação nenhuma, seguido de um final em aberto. Isso acaba frustrando o leitor, ainda mais se considerarmos as possibilidades que uma premissa dessa pode trazer.

Já no desenvolvimento dos personagens principais, senti que faltou um pouco em cada um dos personagens. Durante a história, Norimichi tem seu desenvolvimento voltado exclusivamente para Nazuna, tendo poucas características de sua personalidade exploradas fora do núcleo romântico. Já para Nazuna é o contrário, sua personalidade é muito bem explorada. Seus conflitos, seus receios, seus pensamentos e tudo o que mexe com a cabeça da garota. Mas a parte sentimental para com o protagonista vem de uma forma tão abrupta que eu particularmente não consegui comprar esse sentimento dela. Isso pode ter acontecido devido a história não ser vista com o posto de vista dela, mas sim dele? Sim, é uma grande possibilidade, mas, estou fazendo a análise com base nisso.

Antes de entrar na próxima novel, gostaria de ressaltar dois pontos. O primeiro deles é a constante “comédia” fanservice envolvendo assédio que acontece nos primeiros capítulos. Não é surpresa para ninguém como o ecchi me afasta de uma obra, e ver uma personagem cuja única função narrativa é ser um objeto de desejo me incomodou bastante. Mesmo mais para frente, em uma nova aparição, fazem questão de focar uma cena nos peitos dessa personagem para mostrar alguma coisa referente ao loop temporal atual.

O outro ponto me foi curioso durante a leitura. Em alguns momentos nos quais o protagonista não está na cena, mas é necessário descrever alguma ação que acontece entre dois outros personagens, a formatação do texto muda completamente, adquirindo uma formatação de roteiro, avisando o local, quem está falando o que, quem entra em cena, quem sai. Hitoshi One, o escritor dessa história, comenta no epílogo que, como não tem experiência com escrita e não sabia como escrever essas cenas, simplesmente apelou para o método que mais conhecia. Eu, particularmente, achei que isso acabou dando um charme pro texto, visto que essa forma de escrever não é vista frequentemente, mas entendo perfeitamente caso alguém tenha se incomodado com essa questão, que acaba refletindo a inexperiência do autor com a escrita narrativa.

E as Luzes Vistas de Lado? São Achatadas?

Vamos agora para a novel que veio depois, mas que simboliza o antes. Ficou confuso? Então vamos para um pouquinho mais de contextualização. O roteirista do drama original, Shunji Iwai, recebeu a notícia em 2017 de que sua obra se tornaria uma animação e recebeu um convite para que tornasse o seu episódio em um livro. O autor, contente com essa notícia, se aproveitou dessa brecha.

A verdade é que Shunji Iwai, apesar de gostar de como seu projeto final ficou, não o tinha idealizado dessa forma, mas precisou fazer algumas adaptações para que sua história se encaixasse nos perfis do programa que mencionamos ali na introdução. Então, agora 20 anos mais experiente e sem impeditivos, deu a luz a seu filho esquecido a tanto tempo e já devo adiantar, esse filho é incrível.

Não sei dizer o quanto a opinião a seguir está enviesada por ter acabado de ler uma versão inferior da história e o quanto é enaltecendo as verdadeiras qualidades desta obra, mas juro que serei o mais imparcial possível.

A base da história é semelhante ao que já foi apresentado anteriormente, então vou tentar dar mais ênfase às diferenças. E aqui vale ressaltar num geral como esta trama é mais realista e pé no chão do que a outra. Para início de comparação, não há nenhum ponto de fantasia nessa história. Sim, isso significa que não temos o objeto de poder para causar o Dia da Marmota novamente. Aqui, muitas pessoas já podem estar se perguntando como este, que é o cerne da outra história, pode ter sido removido desta e ainda assim se manter com a mesma base.

A resposta para isso está no mesmo cerne da história. Ambas falam sobre separação, sobre amizade, sobre crescimento e amadurecimento, sobre perdas e sobre a vida. E este cerne está presente tanto nesta quanto na outra. Mas além disso, há também uma parte mais concreta que é semelhante.

Aqui, acompanhamos Norimichi, um garoto de 11 anos, e sua vida cotidiana. Um dia, Norimichi vai para sua casa e vê uma garota, sua colega de sala, Nazuna Oikawa. Sem entender o porquê dela estar em sua casa, a timidez toma conta de si, mas sua mãe explica que este foi um pedido dos pais dela pois estes iriam se ausentar para resolver algo importante.

A primeira cena desta história não está presente em sua contraparte e aqui já fica evidente um dos pontos que esta versão mais acerta. A naturalidade de seus acontecimentos. O fato desta cena ter ocorrido justifica uma decisão mais adiante nesta história. Decisão esta que foi mantida na primeira novel, mas parece “mais jogada”. A alteração da abordagem causa uma mudança completa no jeito com o qual a obra se mostra.

Penso em continuar aqui a falar sobre o que acontece na história para dar uma sinopse melhor, afinal, não vale a pena só elogiar uma obra sem nem sequer falar qual o enredo, mas esta é uma tarefa um tanto quanto complicada justamente por se tratar de um drama voltado ao cotidiano. O receio em comentar sobre se dá justamente porque qualquer coisa que possa ser dita pode se tornar um spoiler da história. Se pesquisarem, até a própria sinopse oficial da editora é um tanto quanto vaga, então peço perdão se faltar algum detalhe referente a trama em si. Tentarei focar nas sensações as quais ela busca passar.

No decorrer da história, o autor trabalha com dilemas reais de uma criança. A história deixa de ser “um romance entre duas pessoas” e se torna o cotidiano de um grupo de garotos, cada qual com um tempo considerável para ter o desenvolvimento que a obra pede, vivendo a vida e suas consequências. Aquele ar exageradamente dramático dá lugar a uma abordagem simples, mas que ainda mexe com as inseguranças de uma pessoa que passa por esse momento da vida.

Como comentei alguns parágrafos acima, Fireworks trabalha a separação, a perda, o afastamento e o amadurecimento. O autor inclusive consegue fazer isso muito bem ao acrescentar alguns trechos e até capítulos inteiros do que houve depois da história principal, com um Norichimi mais velho contando que buscou entender algumas coisas que aconteceram com seus amigos da época. As reflexões que Norimichi mais velho tem para com não só a si mesmo como criança, mas sobre a própria época da infância, são muito importantes e certeiras. Apesar de vaga, um trecho da sinopse oficial retrata bem a sensação que todo aquele grupo sentiu durante a história. Uma ameaça vindo da realidade adulta.

A escrita em si também é outro ponto fortíssimo da história. Apesar da obra anterior não ter me chamado a atenção negativamente para com a escrita amadora de Hitoshi One, é indiscutível que a forma e a técnica aqui usada por Shunji Iwai é superior, tanto em construção de cenas quanto em diálogos, parte essa que foi a que mais me chamou a atenção, visto a condução deles feita de uma forma incrível. Um elogio que constantemente fazem a Stephen King, eu copio e faço aqui a Iwai. Ele sabe escrever crianças se comportando como crianças mesmo.

A edição física

Ambas as novels tem o tamanho padrão da editora de 11x15cm, com Luzes no Céu tendo 288 páginas e Luzes Vistas de Lado, 192. Uma decisão editorial curiosa e que pode incomodar os “lombadeiros” é o fato de que Luzes Vistas de Lado, diferente de todas as novels que possuem este tipo de formato, incluindo sua contraparte, não possui uma imagem em sua lombada, destoando assim de toda a coleção da editora.

Ambas as edições contém textos de apoio muito interessantes, escritos pelos autores de suas respectivas obras, que acrescentam e muito na experiência após o término da leitura. Além de contextualizar sobre a obra, ainda conta um pouco sobre os bastidores da produção dos livros. Vale ressaltar que nenhum dos dois possui ilustrações.

Já sobre a questão de revisão de Novels da Editora NewPop, é uma reclamação constante nos fóruns e páginas de redes sociais sobre como a revisão das obras deixa a desejar. Infelizmente, Fireworks – Luzes no Céu mantém esse estigma. São incontáveis os erros presentes, seja de semântica, ortografia, coesão, flexão de gênero e até frases duplicadas na mesma página e personagens trocados no diálogo. A quantidade de erros é tanta que, infelizmente, muitas vezes a leitura se torna truncada por você se pegar prestando atenção nos erros de gramática ao invés de na história. Felizmente, entretanto, Luzes Vistas de Lado tem um texto bem mais fluido e em minha leitura, encontrei apenas um erro de coesão, mas nada que atrapalhe a leitura e o entendimento de alguma forma.

Um ponto negativo, infelizmente, para Luzes Vistas de Lado é a ausência de algumas notas de rodapé para explicar algumas coisas durante a história e até no texto do autor, como quando o protagonista comenta que atacou seu amigo com um lariat e que devolveu o golpe com um dropkick, ambos golpes conhecidos do mundo de luta livre, mas que muitas pessoas podem não conhecer. Ou, no texto, quando o autor comenta sobre como o AVID não estava funcionando, se referindo ao AVID Media Composer, programa de edição de vídeo utilizado na indústria cinematográfica. Tais cenas poderiam se beneficiar e muito de algumas notas de rodapé curtas explicando sobre a situação. Vale ressaltar aqui que a editora demonstrou que consegue fazer boas notas de rodapé sim, nesta mesma edição, quando, por exemplo, explica o que é um ensemble cast.

Veredito

Apesar de ambas as novels partirem da mesma premissa, Luzes no Céu trabalha mais com um drama acentuado comum em animes mesmo. A trama acaba não entregando nada tão marcante assim, apesar de ter uma ótima premissa para se basear. Em contrapartida, Luzes Vistas de Lado consegue transportar um sentimento natural, criando uma relação cotidiana crível sobre a realidade adulta em contraste com os sonhos de crianças, e isso acaba arrebatando o leitor em sua jornada.

Caso queira dar uma chance para esta história, vá ver as luzes de lado. A realidade impressa nessa história cativa de um jeito que infelizmente, não há luz no céu que consiga replicar.

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