MB Review: Uzumaki, a helicoidal forma do medo

Que Junjo Ito é um grande mestre mangaká, isso é fato. E Uzumaki se tornou referência de seu trabalho e uma de suas obras mais conhecidas, e não é por menos. A coletânea de contos hediondos sobre a cidade de Kurôzu é marcada pelo estilo característico de Ito e envolve o leitor como – perdão pelo trocadilho – uma espiral de horrores, bizarrices e críticas.

Uzumaki, famoso seinei de Junji Ito, foi publicado pela primeira vez em 1988 na Big Comic Spirit, da Shogakukan. Aqui no Brasil ganhou sua primeira edição encadernada em 2006, pela editora Conrad. Em 2018 voltou às prateleiras com uma roupagem mais do que especial pelas mãos da Editora Devir, no selo Tsuru.

As palavras mais presentes nesse texto serão, com certeza, “espiraladas” e “hediondo”. São termos que se repetem constantemente na obra, que fazem parte da narrativa e que retratam bem a realidade de Uzumaki. As formas espiraladas que acabam tomando conta de toda a cidade e da população de Kurôzu surgem, sem explicação, e se espalham tomando conta das mentes e da realidade de todos.

O que num primeiro momento parece ser apenas pontual e casual revela-se um problema generalizado de algo que nosso protagonista chama de “Maldição da Espiral”. Os capítulos, episódicos, narram os acontecimentos da cidade, todos envolvendo espirais de alguma forma, e seguem uma linearidade de consequências na narrativa, esta que apresenta a história da cidade e toda a conjuntura da maldição.

As metáforas para a espiral são diversas e muito bem intrincadas. Cada conto traz uma reflexão que podemos interpretar além do horror visual e da visceralidade da arte de Ito. Seja como representação de vícios, resignação, dependência (emocional e física), desavenças familiares, vaidade e outros arquétipos, as espirais e as causas e consequências da maldição nos personagens dessa história remetem à mais do que só a tomada de suas mentes pelas formas espiraladas. Tudo isso carrega os protagonistas dos contos para uma grande espiral de tragédias e perdas.

Há todo um suspense e mistério envolvendo o enredo. Ao mesmo tempo que Ito nos dá as informações sobre o que está acontecendo, por mais bizarro que seja, ainda ficam obscuras as motivações e possíveis respostas da maldição. Somos levados pela narrativa como se presos num vórtex que nos carrega e as imagens que giram a nossa volta são as mais bizarras possíveis, com corpos retorcidos, bebês vampiros e homens que se transformam em moluscos.

Suichi Sato, protagonista da série e personagem recorrente dos contos, enlouquece aos poucos conforme a maldição vai se espalhando e tornando-se mais bizarra. Louco, mas completamente lúcido, percebe as nuances da maldição em todos os acontecimentos ao seu redor e sempre alerta sua namorada, a inocente (e enfadonha) Kirie Goshima.

No primeiro momento, Kirie e Suichi não dimensionam a amplitude do problema espiralado. O que era uma exceção, uma breve hélixmania do pai de Sato evolui para uma grande helicoidal de medo e trauma que assola a pacata cidade de Kurôzu (que em japonês significa redemoinho negro, e é um nome muito adequado). Conforme os dias passam (semanas ou meses, não se sabe ao certo como é o avanço do tempo na narrativa, mas é estabelecida como linear) a maldição fica mais latente. Mais pessoas são assombradas e apresentam comportamentos estranhos e hediondos, sempre envolvendo de alguma forma os padrões espiralados. O curioso é que, embora quase toda a população esteja acometida pelos acontecimentos malucos, parece apenas que Kirie e Suichi têm ciência do ocorrido e demonstram uma consciência dos episódios anteriores.

Alguns contos são bizarros, mas preservam as metáforas. Outros, bem, são apenas bizarros e tentar tirar alguma reflexão ou mensagem deles pode estragar um pouco a leitura. Afinal, algumas coisas são apenas isso: bizarras. Zumbis, palhaços, grávidas vampiras e bebês amaldiçoados. Corpos retorcidos, furacões absurdos soprados por crianças, cabelos assassinos e toda uma vasta gama de bizarrices hediondas existem na obra para compor a construção da tragédia eminente da maldição. O que começa largo, amplo e desconexo vai se afunilando e se retorcendo, comprimindo-se no ponto concomitante da narrativa, o centro do espiral.

Acompanhamos então os esforços dos protagonistas em escapar da maldição, visto que as tentativas de freá-la ou impedi-la demonstraram-se em vão. Conseguirão os jovens escapar de Kurôzu e desvencilhar-se dos padrões espiralados que tomam forma e aterrorizam toda a cidade? Qual será o segredo da pequena Kurôzu e as explicações para os excêntricos episódios de medo e terror? Deixe que Mestre Ito te leve por essa espiral de horrores e seja você também cativado pela hipnótica forma espiralada de Uzumaki.

A edição nacional ficou por conta da Editora Devir, num excelente trabalho gráfico que faz jus à obra. Capa dura, papel munken e o formato 17 x 24 cm emolduram o hediondo. A iniciativa e a seleção das obras do selo Tsuru é magnífica, contando com grandes nomes e grandes histórias num formato digno de colecionador. Agradecemos à editora Devir por disponibilizar o volume digital para nossa análise.

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