MB Nacional: Ye, de Guilherme Petreca

Bem-vindos à Ye

Quando o sopro do Rei sem Cor cai sobre Ye, o jovem tímido e bondoso fica marcado para sempre. Aqueles que carregam o sopro do Rei levam consigo as chagas de todo o mal representado neste mau agouro. A ele, não resta escolha a não ser enfrentar o mundo desconhecido em busca de uma sábia bruxa que será a única capaz de guiá-lo em seu caminho de libertação. Uma jornada poética sobre o crescimento e a transição da adolescência para a vida adulta. 

Ao longo de seu caminho, Ye encontrará adversidades que terá de enfrentar sozinho, e tudo um pouco mais complicado pelo fato de o jovem apenas proferir a seguinte palavra, “ye”. Numa sucessão de fatos desastrosos, Ye parte em busca da lendária Bruxa Miranda, pois apenas ela será capaz de ajudá-lo a se libertar de seu martírio, para que assim consiga encontrar sua verdadeira força e voz. 

 

“Todos podemos ser um Rei sem Cor”

As metáforas estão presentes ao longo de todo o conto. No início, até nos questionamos se o que está ocorrendo é mesmo parte daquela realidade ou se é apenas a forma como Ye vê o mundo, alegoria que faz sentido se pensarmos na inocência do personagem. Desde que saiu de casa para sua jornada, suas experiências e vivências são fantásticas. Ye enxerga o Rei sem Cor em todos e em todo lugar, o que também podemos refletir como a alegoria da dualidade moral do indivíduo, visto que a metáfora para a construção do Rei é embasada em tais conceitos, já que é uma representação de todas as “pragas, guerras, tristezas e tragédias” e que, ainda, o autor coloca que “o Rei sem Cor existe em todos nós, adormecido” (p. 10). 

Até mesmo a construção do design da representação do Rei vai ao encontro da metáfora, pois o autor utiliza as cores e os traços mais sujos e densos para reproduzir esse sentimento caótico e a figura córnea e etérea do Rei seguem a mesma representação. 

 

A Narrativa

Todo o enredo de Ye é leve e delicado, e arranca risos e sorrisos. Porém, os personagens secundários e até mesmo o próprio Ye carecem de um desenvolvimento mais aprofundado, visto que o ritmo do conto é rápido e não dá muitas brechas para grandes explicações. É um recorte preciso de uma aventura curta, mas intensa. Todo o universo fantástico criado por Petreca para ambientar o conto merecia ser mais explorado, assim como as relações e características dos personagens. 

Por ser uma leitura relativamente curta, com poucos diálogos e passagens bem marcadas e rápidas, tudo o que eu diga a mais pode estragar um pouco a experiência, o que eu não gostaria de fazer de forma alguma. Esperem uma narrativa cinematográfica, ágil e cativante e muito bem emoldurada na arte de Petreca.

 

A cinegrafia de Ye

Ler Ye é como assistir a um filme. Muito embora o próprio autor tenha dito diversas vezes que uma de suas influências é o cinema de Hayao Miyazaki, não pude deixar de notar as semelhanças com o trabalho de um outro diretor, Terry Gilliam, em O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (2009). 

O trabalho na ambientação com os cenários e paisagens lembram as produções audiovisuais, onde tudo é pensado e enquadrado de forma a enobrecer a cena. A arte de Guilherme Petreca é repleta de pormenores que passariam despercebidos aos olhos mais ágeis. É impossível ler Ye rápido. O olhar se prende nas minuciosidades das ilustrações e é recompensado, pois cada centímetro da página guarda uma nova surpresa, símbolo ou detalhe. 

A quadrinização é impecável. Distribuindo com maestria sua arte nos quadros e, por vezes, usando o recurso do “saltar” das linhas, o que enriquece e dinamiza a experiência cinematográfica da leitura. 

Os personagens são expressivos e, em poucos quadros, o artista consegue transparecer as emoções das mais diversas, sejam nos olhares ou nos sorrisos de Ye. 

O acerto da Editora Veneta nas dimensões do quadrinho é incrível. Os detalhes empregados por Petreca ficam em evidência e, além do tamanho privilegiado, a escolha do papel também ressalta os contrastes das ilustrações e dos cenários. 

Ye é uma aventura fantástica carregada de metáforas e alegorias, sobre a vida e sobre as adversidades e a constante evolução humana, embora possa ficar a impressão de que não foram tão bem exploradas. O quadrinho carrega em si uma identidade e arte única, que aquece o coração e vale a pena a leitura.

O Autor

Guilherme Petreca dispensa apresentações, mas mesmo assim as farei. Afinal, é um dos meus artistas nacionais favoritos. E receber mais uma obra dele para análise, ainda mais uma de tamanha importância quanto Ye, me deixou bastante contente. Sendo sua primeira obra pela Veneta, foi contemplada com a Silver Award no Prêmio Internacional de Mangá, promovido pelo governo do Japão com o objetivo de reconhecer os artistas que vêm contribuindo para a divulgação desta cultura em todo o mundo. Ye também foi licenciado na Polônia, Estados Unidos e França. Guilherme Petreca recebeu, também por Ye, o prêmio de Melhor Desenhista Nacional no HQMix 2017.

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