MB Review: Boys Run the Riot #1 e #2
Boys Run the Riot é um lançamento da editora JBC, escrito e ilustrado pelo artista Keito Gaku e completo em 4 volumes. Esta resenha comporta observações sobre os dois primeiros volumes do mangá.
Ryo é um garoto transgênero do ensino médio e, a partir do início do mangá, seu momento de autodescoberta já aconteceu, mas ele ainda precisa lidar com a sua comunicação com a sociedade. Seus conflitos internos são em relação a como o mundo ainda o trata como se ele fosse uma garota, e como ele ainda não verbalizou sua identidade de gênero para outras pessoas.
A forma como a vida escolar é retratada na obra nos apresenta diversas perspectivas de pessoas que foram marginalizadas ou excluídas por não se encaixarem dentro do que é considerado a normalidade, seja pela forma como se comportam, por seus sonhos, identidades ou gostos.
Ryo conhece Jin, que se porta de forma despojada, chamando bastante atenção, além de ser um repetente e assunto de fofocas maldosas. Inicialmente, isso causa uma estranheza ou até desgosto em Ryo, que não entende como alguém pode se expressar tão livremente e aparentemente não ligar para os demais. Aqui, o próprio Ryo caí na armadilha de esperar o pior de uma pessoa pela forma como ela se apresenta para o mundo.
Jin é um apaixonado por moda e, ao descobrir que Ryo compartilha o mesmo gosto, o chama objetivamente para uma parceria na criação de uma marca de roupas.
O primeiro volume lida inicialmente com a solidão de alguém que não consegue se expressar ou ser reconhecido, e que acha que seus sonhos são apenas um escape, mas que é confrontado com a realidade de que a moda pode ser uma forma de mostrar quem você é.
Enquanto que as pessoas acreditam que Jin é uma má influência que arrasta Ryo para um caminho distorcido, na realidade a parceria entre os dois permite que Ryo respire e consiga finalmente transpor sua pessoalidade na arte, se tornando responsável pelos designs da marca.
E então conhecemos Itsuka, líder e único integrante do clube de fotografia, que é constantemente questionado pela sua dedicação ao universo fotográfico, tendo um pai que desistiu desse mesmo sonho e um núcleo escolar que prioriza outras atividades. Itsuka é também hostilizado por se envolver com a marca de Ryo e Jin, configurando um interessante retrato de como somos usualmente repreendidos quando agimos diferente do esperado, e as pessoas consideradas “estranhas” dentro do conceito criado por alunos populares são alvo de bullying.
No volume 1, temos ainda a escolha do nome da marca de roupas dos 3 novos parceiros de negócios: Boys Run the Riot!, demarcando o atributo transgressor e libertador que podemos encontrar por meio das expressões artísticas. O volume é finalizado com a apresentação de uma nova pessoa também genderqueer, famosa nas redes sociais.
Já no volume 2, os garotos decidem que devem buscar empregos de meio-período para auxiliar nos custos da marca e, paralelamente, tentam pensar em formas de se posicionarem no mercado.
Ryo encontra um emprego em uma espécie de boteco e decide não expor sua verdadeira identidade como transgênero. Lá, conhece uma funcionária extrovertida e fã de bebedeiras chamada Mizuki, que começa a desconfiar que Ryo seja um homem trans. Apesar disso, Mizuki se torna um ótimo apoio para o protagonista, sendo o tipo de amiga que é protetora, respeitosa e afiada na hora de ler o ambiente.
Nesse volume, um colega de trabalho começa a se interessar por Ryo. Porém, quando é rejeitado pelo protagonista, muda totalmente de comportamento, ignorando a amizade que Ryo acreditava existir. Apesar disso, Ryo decide explicar os motivos da rejeição, porém, mesmo sendo invalidado como homem, toma o posicionamento de manter a amizade e fazer o seu colega reconhecê-lo aos poucos como um dos garotos.
Por fim, o youtuber genderqueer Tsubasa, conhecido como “Wing”, tem um papel fundamental na visibilidade da Boys Run the Riot, já que decide fazer uma colaboração com os garotos. Mas, nem tudo ocorre perfeitamente, o volume termina com Wing expondo a identidade trans de Ryo no seu vídeo sobre a marca.
No volume 2, o autor decide como Ryo deve lidar com as questões de aceitação dos amigos, entretanto, apesar de estar claro que não é dever de uma pessoa queer ensinar sobre como o respeito deve ser praticado por pessoas de fora da comunidade, ainda é possível ter visões muito distintas sobre como lidar com a invalidação inicial por parte de terceiros.
A obra, apesar de ser representativa e possuir momentos em que aborda a disforia, preconceito e tensão, possui uma narrativa que não é extremamente densa, diferindo de muitas mídias LGBTQIA+ que retratam as partes mais desoladoras da vivência de uma pessoa queer como ponto central.
A escolha de focar em elementos cotidianos, nas expressões artísticas pessoais e nas individualidades de cada personagem, é interessante, retratando cada pessoa além das dores da exclusão social e nos apresentando o desenvolvimento de suas competências e suas formas de trilharem sonhos. O autor decide tomar um posicionamento conciliador, de fácil entendimento e relacionável por vários pontos de vista diferentes.
A edição nacional possui alguns balões muito colados nas margens de corte, mas isso não impede a leitura. Algumas folhas também possuem uma transparência maior.