Mangás

MB Especial: Yankiis, Bosozokus e mangás

Penteado pompadour, cabelos tingidos de loiro, gakuran (tradicional uniforme escolar japonês) desabotoado e linguajar de malandro. Com essa descrição, logo vem à cabeça Yusuke e Kuwabara, de Yu Yu Hakusho; Metal Bat, de One-Punch Man; Tatsumi Oga, de Beelzebub; Hanamichi Sakuragi, de Slam Dunk, entre outros vários personagens que possuem tais características. Eles são os famosos ‘delinquentes japoneses’, presentes em várias obras consagradas e conhecidas do público brasileiro. Mas apesar disso, as obras que tratam quase exclusivamente da vida e das brigas desses jovens problemáticos não são muito populares por aqui. Coisa que a recente adaptação em anime da obra “Tokyo Manji Revengers” talvez tenha alterado, já que deu um pouco mais de visibilidade aos mangás de delinquente, um subgênero que ainda possui certa popularidade no Japão, mas teve seu auge nos anos 80 e 90.

Por isso, hoje venho falar sobre alguns mangás que são referência nesse quesito, e que podem merecer um pouco da sua atenção. Antes de começar a falar sobre os mangás propriamente ditos, vou tentar esclarecer algumas questões: Quem são? Qual é a diferença deles para os “Bosozoku”? Ainda existem muitos hoje em dia? Tudo isso será explicado no decorrer do texto.

Esses delinquentes são conhecidos como “Yankiis” no Japão. A origem do termo ainda é incerta, mas uma boa parcela das pessoas acreditam que o termo seja uma variação de “Yankee”, palavra que foi muito usada durante a 2ª Guerra Mundial para se referir aos soldados estadunidenses, com alguns estudiosos dizendo que tais grupos foram fortemente inspirados pela cultura americana do pós-guerra.

Os yankiis começaram a surgir após o fim do conflito, e, ao mesmo tempo em que rejeitavam as rígidas normas impostas pela sociedade japonesa, exaltavam a cultura e a tradição local, não sendo necessariamente um movimento político, mas com ideais patrióticos. O grupo desses jovens geralmente era formado durante o Ensino Médio, e eles, além de serem considerados rebeldes, brigavam com grupos de outras escolas, ou até da mesma escola, em busca de serem considerados os “manda-chuva” do pedaço. Lembra daquela cena de algum anime onde o protagonista, geralmente fraco e introvertido, passa por algum grupo de delinquentes e é provocado com palavras como: “Ei, o que você tá olhando? Tá querendo brigar?”. Pois é, isso realmente acontece, e em alguns casos, eles podem até mesmo te perguntar em qual escola você cursou seu ensino médio, pois há rivalidade entre gangues de determinadas escolas. Então se eles estiverem a fim de arrumar confusão com alguém, o simples fato de você ter estudado em escola x ou y pode ser motivo de briga.

Alguns yankiis atualmente. Esses da foto vivem no interior do Japão.

Tais grupos hoje não são mais tão numerosos como foram no passado. Em uma conversa com um amigo japonês, aproveitei para perguntar como era o cenário atual em relação aos yankiis no Japão e ele respondeu: “Hoje em dia não existem tantos, mas na época que meu pai e minha mãe eram jovens, existiam bastante deles. Há uma maior possibilidade de você se encontrar com algum em alguma escola do interior do Japão, principalmente se for escola pública”. O que vai de encontro à um levantamento feito recentemente pelo usuário de Twitter @MangaMoguraRE, que diz que, antes do lançamento da edição com capas redesenhadas, os leitores de Tokyo Manji Revengers eram, majoritariamente, pessoas na faixa dos 30 a 40 anos de idade, ou seja, pessoas que chegaram a vivenciar um pouco do auge desse movimento. Justamente por isso, a maioria das obras com essa temática que podemos encontrar foram escritas entre 1980 e 2000. Como Sonia Luyten observa em seu livro “Mangá – O Poder dos Quadrinhos Japoneses” (publicado no Brasil pela editora Hedra), os mangás tendem a reproduzir modismos de suas respectivas épocas, principalmente dentro da demografia shounen. 

Alguns autores como Hiroshi Takahashi construíram suas carreiras quase exclusivamente com mangás de delinquentes. Sua obra mais conhecida é “Crows”, que foi lançada na revista Monthly Shounen Champion e completa em 26 volumes. Crows rendeu uma série de histórias relacionadas, além de uma adaptação para OVA’s e live-actions. Outro autor que fez o seu nome desenhando esses mangás foi Masanori Morita, mais conhecido por “Rookies” e “Rokudenashi Blues”. Ambos foram publicados na Weekly Shounen Jump (aparentemente Rookies também teve alguns capítulos publicados na Weekly Young Jump) e foram completos com 24 e 42 volumes, respectivamente, sendo Rokudenashi sua obra de maior sucesso. Uma coisa que sempre faço questão de elogiar quando vou falar de qualquer mangá do Morita, sem dúvida alguma, é o seu traço. O cara desenha expressões faciais sensacionais e faz sombreamentos maravilhosos.

Uma pequena demonstração da arte de Masanori Morita.

Mangakás que são conhecidos por outras obras também já se aventuraram no mundo dos yankiis, como é o caso de Norihiro Yagi, que antes de ser reconhecido internacionalmente por “Claymore” (publicado no Brasil pela Panini. Merece relançamento, hein?), publicou “Angel Densetsu”, nas páginas da Monthly Shounen Jump e terminou com 15 volumes. Além disso, Angel Densetsu recebeu uma pequena adaptação em 2 OVA’s. A trama mistura bem os tão aguardados momentos de pancadaria e o humor, que perdura até o fim da publicação. Assim como os outros citados, é uma obra altamente recomendada para conhecer o estilo. Por fim, temos “Kyou Kara Ore Wa!”, criado por Hiroyuki Nishimori, lançado na revista Weekly Shounen Sunday e finalizado em 38 tankobons. A história segue dois jovens que acabam se tornando ‘os maiores delinquentes que o Japão já viu’. Nesse mangá, tudo é mais voltado para a comédia (o traço é algo que colabora muito), apesar de existirem, sim, outros elementos. Uma adaptação em 10 OVA’s com cerca de 40 minutos cada, adaptando os 13 primeiros volumes, também foi lançada, e eu a recomendo fortemente caso você queira conhecer a história sem se comprometer a ler os 38 volumes.

Da esquerda para a direita: Crows, Rokudenashi Blues, Angel Densetsu e Kyou Kara Ore Wa!!

Existe uma infinidade de mangás com essa temática, e infelizmente não seria viável ficar citando e descrevendo vários aqui, pois alongaria demais o texto (que já é grande). Eu quis apenas apresentar algumas obras que ilustram, literalmente, as coisas que disse anteriormente sobre essa tribo urbana tão instigante.

E OS BOSOZOKU?

Um grupo que é frequentemente associado aos delinquentes, são os chamados  “Bosozoku” que nada mais são que gangues de jovens motoqueiros que possuem várias semelhanças com os yankiis (lembram da gangue do Tetsuo e do Kaneda em Akira? Então, é isso). E tal como os estudantes problemáticos, os bosozoku ostentam símbolos que exaltam a identidade nacional, em especial símbolos associados ao Japão Imperial, que causam desconforto nos países vizinhos como a China e a Coreia; Brigam e disputam por influências na suas respectivas regiões, adoram causar baderna nas ruas e cometer infrações de trânsito.

Segundo o antropólogo Ikuya Sato, o objetivo dos Bosozoku era causar tumultos para aparecer no noticiário do dia seguinte, serem considerados uma espécie de “heróis de sábado à noite”, como ele mesmo diz. Os grupos começaram a surgir na década de 1950, mas o auge deles também foi nos anos 80 e 90, mais especificamente no ano de 1982, onde existiam pelo menos 42,5 mil desses motoqueiros.

O tempo passa, e infelizmente (ou felizmente) muita coisa muda. É o caso dessas gangues de motoqueiros. Um movimento que chegou a ter mais de 40 mil membros viu esse número cair drasticamente com o passar dos anos, muito por conta da criação de leis mais rigorosas para tratar infrações de trânsito. Estima-se que em 2018, ainda existiam 146 grupos ativos no Japão, totalizando 6.286 membros. Atualmente, a imprensa local trata os bosozoku como coisa do passado, os vendo mais como um estilo do que como uma subcultura, como foi há 40 anos atrás. Apesar de vermos na maioria das vezes homens, grupos com integrantes mulheres também existem e são conhecidos como “sukeban”. 

                          As Sukeban. Ao fundo, podemos observar os Bosozoku.

Como era de se esperar, existem mangás que retratam esses grupos e essa saudosa fase das speed tribes japonesas. Uma dessas obras é “Shonan Junai Gumi”, de Tohru Fujisawa, que serve como uma prequel de Great Teacher Onizuka, (atualmente é publicado no Brasil pela NewPop) e conta os dias de Onizuka como um motoqueiro. O mangá foi concluído com 31 volumes no Japão. Será que podemos imaginar ter ele aqui após o fim da publicação de GTO? Espero que sim, já que é um título muito bem conceituado.

Outra obra de altíssimo nível é “Bakuon Rettou”, de Tsutomu Takahashi, autor de “Alive”, que foi publicado no Brasil pela editora Panini. Essa série é mais séria se comparada à Shonan Junai, já que conta a história de um adolescente apaixonado por motos que acaba se juntando à uma dessas gangues. A trama tem menos foco na comédia e trabalha mais aspectos como a relação do protagonista, Takashi, com sua família, amigos, gangue e rivais. Isso tudo com a arte excepcional do autor. Bakuon Rettou foi completo em 18 volumes e é inédito no Brasil (mas bem que poderiam lançar por aqui, já que existe uma edição 2 em 1 completa em apenas 7 edições). O melhor de tudo? Muitos elementos da trama são autobiográficos, pois o autor já foi um bosozoku.

Shonan Junai Gumi à esquerda e Bakuon Rettou à direita.

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Eu não conheço tantos mangás de bosozoku quanto eu conheço de yankiis, por isso citei apenas dois aqui. Mas inevitavelmente, se você ler alguma obra relacionada a um desses grupos, vai acabar esbarrando no outro.

Bom, por hoje, vou encerrar por aqui. Espero que vocês tenham gostado das curiosidades e das indicações que eu trouxe e tenha se interessado por elas. Esse é um tipo de mangá que, sendo bem realista, tem poucas chances de se popularizar no Brasil. Salvo algumas exceções como a prequel de GTO (espero, do fundo do coração, estar enganado). Porém, como eu disse no início, muita gente têm se interessado, mesmo que minimamente, por esse universo após o “boom” de Tokyo Revengers, então eu, como amante desse estilo de mangás e do estilo dos yankiis e bosozoku (fazer o quê? os caras são estilosos!), me senti na obrigação de fazer a minha parte. Então, entendam este texto como minha pequena e insignificante contribuição para a popularização dessas obras em Terra Brasilis.

Espero que tenham gostado! Nos vemos em breve! Fiquem com essa arte de Bakuon Rettou!

Fontes consultadas: 

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