Caça às scans e o impacto no público
Reprimir sem promover o acesso é realmente eficaz e evita prejuízos?
Recentemente, uma operação conjunta das polícias civis de diversos estados para repressão da violação de propriedade intelectual, especificamente relacionados à distribuição ilegal de animes, mangás e webtoons culminou no cumprimento de 11 mandatos de busca e apreensão, além de bloqueio/suspensão de sites e desindexação de conteúdo em mecanismos de busca.
A “Operação Anime” ocorre em cooperação com a Content Overseas Distribution Association (CODA) e com a Copyright Overseas promotion Association (COA), associações sediadas respectivamente no Japão e na Coreia do Sul, que congregam órgãos governamentais e as empresas titulares dos direitos das obras que sofrem de distribuição ilegal.
Como consequência, diversas páginas de scans e fansubs que disponibilizavam conteúdo de forma ilegal foram retiradas do ar, causando uma reação negativa na maior parte do público. Dentre as alegações, a dificuldade de acesso aos conteúdos de uma forma rápida e legalizada, foi unânime. Ainda dentre os comentários, muitos se questionavam sobre a gravidade de tal infração, já que a situação vista através de uma perspectiva individual, não causa malefícios diretos a ninguém.
Porém, revisando os fatos superficialmente, a violação de direitos autorais é um crime previsto no artigo 184 do Código Penal Brasileiro e mesmo diante da realidade socioeconômica do país, assolado pela violência urbana e falta de segurança pública, uma transgressão não anula a outra. Além disso, uma negligência do poder público diante de um pedido direto de colaboração de órgãos internacionais, poderia ser diplomaticamente problemático.
Existem variantes na discussão acerca da acessibilidade de tais conteúdos, que vão desde insuficiência financeira por uma grande parcela do público, indisponibilidade de certos títulos no Brasil e também o intervalo entre os lançamentos, que mesmo licenciados, demoram a ser lançados no território. Ainda são poucas as plataformas digitais que disponibilizam os capítulos de mangás e webtoons simultaneamente ou próximo aos lançamentos em seus países de origem.
Os elementos que compõem o nosso cenário não são favoráveis, já que dentro de uma realidade onde a troca de informações é instantânea, cria-se certa urgência em saciar a curiosidade a respeito do andamento de obras que acompanhamos. E sim, existem plataformas estrangeiras que suprem essa demanda, mas a barreira financeira e de idioma, ainda são fatores limitantes. É um ciclo vicioso, onde alegamos que não há investimento para que mais títulos se tornem conhecidos e acessíveis por aqui, enquanto o outro lado alega não investir devido aos prejuízos inevitáveis causados pela pirataria.
Como agravante, soma-se o fato de que aquilo que antes era feito de fã para fã, com o único intuito de promover o acesso, tornou-se uma espécie de negócio lucrativo, já que algumas dessas páginas possuíam um alto número de acessos e as mesmas contavam com diversos anúncios de natureza variada. Ou seja, alguns indivíduos começaram a arrecadar e a lucrar com isso, fazendo com que a investigação se estendesse do âmbito da propriedade intelectual para abranger os possíveis crimes de associação criminosa e lavagem de capitais.
Uma aplicabilidade mais rigorosa da lei e uma maior fiscalização sobre materiais compartilhados em redes sociais e afins por si só não garante o fim da pirataria. Já que tais medidas se aplicam somente ao território nacional, não há controle sobre conteúdos ilegais oriundos de outros países, que podem ser consumidos mesmo sem um conhecimento aprofundado de outro idioma através de ferramentas facilitadoras, como tradutores de tela, por exemplo. Para que isso se torne eficaz, é imprescindível ampliar o acesso.
É uma situação delicada que deve ser tratada com cuidado e responsabilidade para que haja sim uma garantia de cumprimento das leis, para que o trabalho de autores, artistas e demais colaboradores seja respeitado, mas igualmente sem deixar de buscar soluções que viabilizem o acesso de forma legal e justa, principalmente pela parcela mais vulnerável do público, onde iniciativas que garantam acesso à cultura se fazem cada vez mais urgentes.
Texto por @holyaeon_ e @perdidananuvem
Fonte: Segunda fase da Operação Animes contra pirataria é realizada
ACESSO EM 05/05/24